PARA o teólogo e pesquisador Anastácio Chembeze, especialista em estudos de paz e boa governação, a maior barreira para o sucesso de negociações de paz e reconciliação está na dificuldade de entender a natureza dos conflitos.
Na visão de Chembeze, em entrevista á Revista ÁGORA, a existência de conflitos continua porque os intervenientes dos processos têm dificuldades de reconhecer as origens efectivas dos desentendimentos e compreensão mútua.
“A maior dificuldade é de olhar para a natureza do nosso conflito e fazer o devido reconhecimento. Não temos a coragem e nem temos a humildade de vir a público assumir que estamos errados. Coisas como estas perpetuam as lutas”, referiu.
Falou ainda da necessidade de a sociedade saber replicar os mecanismos de diálogo ao longo do país. E, para tal, trouxe como experiência o processo de pacificação da República de Angola, país irmão de Moçambique por via de laços linguísticos. “O conflito em Angola foi muito longo. E quando eles estavam no processo de repatriamento de refugiados, introduziram um mecanismo de diálogo na sociedade em que um grupo de pessoas era treinado para saber lidar com as demais. E depois este grupo tinha a responsabilidade de replicar as suas experiências de diálogo noutras comunidades. E assim criavam-se espaços de diálogo comunitários”, comentou.
Neste sentido, defende que todas as pessoas que regressam às suas comunidades de origem, da qual se ausentaram fugindo ao conflito ou por razão deste, precisam de encontrar um ambiente receptivo que lhes possibilite, rapidamente, adaptarem-se à nova realidade.
Caso isso não aconteça, defende, dificilmente haverá reconciliação. É assim que Chembeze convida aos actores políticos a revisitarem os propósitos que os levaram a querer servir o povo, pois entende tratar-se de uma actividade nobre.
Num outro desenvolvimento, o teólogo explicou que o processo de reconciliação está intimamente ligado a factores demográficos e afirmou que é preciso planificar o desenvolvimento do país olhando para as maiorias com capacidade de trabalho.
“O Instituto Nacional de Estatística (INE) apresenta dados demográficos de forma regular. Devemos perceber o que fazemos com o resultado das estatísticas para a nossa planificação. Para resolver ainda as questões de desenvolvimento devemos ser claramente usuários permanentes desses dados”, enfatizou, lembrando que a maior parte da população é constituída por jovens, sobretudo, mulheres.
“A estatística tem uma função muito importante e nós não usamos o conhecimento disponível para planificar e tomar decisões. Estes processos requerem coragem para desviar de algum preconceito e criar um bem comum”, defendeu Anastácio Chembeze.
Chembeze, acrescentou que as instituições moçambicanas têm de se impor e não funcionar a reboque de pessoas influentes. Defendeu ainda a existência de instituições fortes e também dirigidas por pessoas capazes para assegurar equidade na tomada de decisões.
Até porque, entende que o protagonismo deve ser uma acção colectiva. “É a instituição que deve ser mais forte do que as pessoas e não deve ser guiada pela vontade de quem hoje está na liderança. Afinal, nós somos falíveis”.
Segundo Chembeze, caso isso não aconteça, “vamos ter muitas dificuldades de assegurar perenidade destas mesmas instituições”, explicou Chembeze.