Mulheres e crianças são parte de uma equação das guerras porque obedecem facilmente aos comandos, sendo assim explorados para o carregamento de material e também para a frente de combate, incluindo criar fáceis cordões de segurança – explica Bóia Júnior, á revista ÁGORA.
O Psicólogo clínico Boia Júnior, defende que as sociedades africanas, incluindo Moçambique caíram em decadência de valores morais em razão dos constantes conflitos que chegam a instrumentalizar mulheres e crianças causando-lhes traumas profundos.
Ao partilhar a sua experiência que teve com vítimas de diferentes conflitos, dentro e fora do país, o investigador psico-social considera que é importante que todos os afectados pelos conflitos sejam assistidos não apenas materialmente, mas também psicológica e socialmente sem olhar para quem merece mais atenção para não semear traumas que podem, no futuro, mais uma vez degenerar em conflito.
“Quando começámos a entrar numa competição de quem é beneficiário, quem sofreu mais, há algo profundamente errado nas nossas sociedades. Trabalhei em outros países africanos, como a Nigéria, e sempre perguntam porquê prestamos mais apoios a crianças-soldado e não apenas às vítimas da guerra, e a resposta é a de que estas crianças-soldado serão os adultos do amanhã, então é preciso curar hoje as suas mazelas”, partilhou.
Boia Júnior faz um paralelo com a situação vivida em Moçambique ao dizer que é impossível compensar todas as perdas sofridas no processo de conflito. “Nunca se tem respostas sobre quem é que vai indemnizar os moçambicanos que são vítimas destes conflitos”, exprimiu o pesquisador.
O psicólogo referiu ainda que, por causa das diversas instabilidades nos países africanos, muitas pessoas têm emigrado para fora do continente expostas a muitos perigos e à vulnerabilidade social e económica, mas acham sempre ser melhor assim do que se expor aos conflitos armados. “O Mediterrâneo hoje é o maior cemitério para os jovens africanos que viajam em busca de melhores condições de vida na Europa”, disse.
Entende que a razão pela qual crianças e mulheres são muitas vezes colocadas na linha de fogo nos diversos conflitos deriva da sua facilidade de instrumentalização e ainda por serem menos onerosas na componente de logística militar.
“Grande parte das crianças é envolvida em combates porque elas comem menos e obedecem mais aos comandos, por isso, a mulher e a criança são parte de uma equação económica e política que facilmente podem ser exploradas para o carregamento de material e também para a frente de combate, incluindo criar fáceis cordões de segurança”, explicou Bóia Júnior.
Acrescentou que estas situações são geradas pela fissura que existe nos valores morais aliadas a questões económicas e políticas que, de forma propositada, vão criar um trauma colectivo que facilmente pode passar para as gerações futuras.
Uma das propostas avançadas pelo pesquisador prende-se com a necessidade de, ao nível das sociedades africanas, ter de se eliminar o que considera ser herança colonial que, embora não esteja na sua forma pura, continua a enfermar muita gente. “Acabou a dominação estrangeira, mas o colonialismo mental ainda existe, os valores da violência que foram deixados pelos colonialistas ainda continuam a enfermar muitas sociedades africanas. Precisamos de vencer isso, passar a dar mais valor à vida”, comenta Boia Júnior.