Moçambique precisa de partidos políticos não dependentes dos cofres do Estado

 

Os partidos políticos moçambicanos devem procurar adoptar estratégias empreendedoras para o seu financiamento, para reduzir a dependência nas subvenções públicas, tal que só é factível enquanto parte do Parlamento, porque em caso de não eleição, estes correm o risco de “deixar de existir”.

Ao mesmo tempo, Moçambique precisa de partidos políticos mais fortes e capazes de se ombrear entre si de forma justa no escrutínio político público porque, uma sociedade de partidos políticos fracos terá consequentemente uma democracia fraca.

Esta é a conclusão do artigo escrito e publicado por Lorena Mazive, Coordenadora de Programas no Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), com o título “Democracia Interna nos Partidos Políticos”.

De acordo com Lorena Mazive, é um facto que os partidos políticos contribuem na construção do edifício democrático e para isso precisam de dinheiro para a sua existência, afirmação social e política.

Segundo Lorena, a base social destes partidos pode reduzir, porque como se tivesse lido a imagem da política moçambicana, Mair (2003) sentencia que “os partidos se tornaram mais distantes dos cidadãos e da sociedade em geral e mais próximos do mundo do Governo e do Estado”.

Como avança Mair (2003), de acordo com Lorena Mazive, o principal constrangimento que os partidos enfrentam relacionam-se com o facto de dependerem, em termos de sobrevivência, do financiamento público que recebem do Estado.

No caso moçambicano, os partidos políticos com representação parlamentar, têm assegurado em seu favor, uma dotação orçamental de acordo com o número de Deputados eleitos, para além da alocação financeira recebida por bancada.

Portanto, fica notório que sem a contribuição do tesouro do Estado estes, podem ter algumas dificuldades em subsistir e exercer a sua função. E aqui, se levanta outro problema que é a sustentabilidade dos Partidos Políticos em Moçambique.

O segundo aspecto relaciona-se com o facto de muitos partidos também fortaleceram a sua ligação ao Estado, ao conferirem crescente prioridade ao seu papel enquanto detentores de cargos públicos.

Os partidos passaram a estar mais interessados na obtenção de cargos, sendo a conquista de um lugar no governo ou nalgum órgão público a expectativa comum e, cada vez mais um fim em si próprios. Verifica-se também a existência de partidos que se definem cada vez mais em termos dos cargos públicos que ocupam (Mair: 2003).

Segundo a autora deste artigo, em rigor, os partidos políticos são agentes importantes, por um lado no âmbito da promoção da participação política dos cidadãos e por outro, como argumenta Hofmeister (2021), são relevantes na vida sociopolítica de um Estado de Direito Democrático porque contribuem para a realização dos pilares da Democracia, designadamente, eleições livres e justas; Governo responsável; Igualdade de Direitos e participação igual de todos os cidadãos; Respeito pelas liberdades civis, políticas e um Estado de Direito e, Independência do poder judicial.

“Por maioria de razão, estes pilares só podem ser efectivamente concretizados com a necessária qualidade, se existir uma democracia sólida no seio dos partidos políticos e tal democracia só existe de facto, quando há plena liberdade de escolha e de expressão”, acrescenta.

Assuntos internos dos partidos são de interesse público

De acordo com a Coordenadora de Programas no IMD é errado pensar que os assuntos internos dos partidos políticos dizem respeito somente a estes, particularmente num contexto de transição dos seus órgãos e principalmente da sua liderança. “Faço este juízo, com base nos seguintes elementos. Primeiro, se tais partidos estiverem representados em instituições democráticas ou de representação, as suas deliberações ou decisões político-partidárias internas em resposta à sua acção política na governação, tem efeito na vida do cidadão”.

Segundo, para o caso dos partidos políticos que lideram o Governo do dia, dependendo da sua orientação partidária, as suas políticas governativas e o modo de gestão da coisa pública, também podem afectar negativamente ou positivamente a vida dos cidadãos.

Defende ainda que a qualidade da democracia nos partidos políticos bem como o nível de exercício de liberdades, contribuem para a determinação da qualidade de exercício da democracia no país, uma vez que os partidos são meios de participação política dos cidadãos.

A autora do artigo explica que um partido que estiver no poder e que não adopte princípios democráticos na sua governação interna, dificilmente governará os destinos de um país de forma democrática e inclusiva.

“Em suma, o “modus operandi” interno dos partidos no poder, será a fotografia da sua governação pública. Tal como não basta que os países ou governos tenham escrito na sua Lei Constitucional e em leis ordinárias, sobre a existência de separação de poderes (Executivo, Judicial e Legislativo) como estatui o art. 134 da CRM3 e a realização de eleições regulares, também não basta que nos partidos políticos existam órgãos e realizem ciclicamente os seus congressos”.

De acordo com os Estatutos dos partidos com representação parlamentar, estes têm como órgãos nacionais ou centrais, o Congresso, o Conselho Nacional, o Presidente, a Comissão Política Nacional, a Comissão Nacional de Jurisdição, no MDM; o Congresso, o Presidente, o Conselho Nacional, a Comissão Política Nacional e o Conselho Jurisdicional, na Renamo.

E a Frelimo tem como órgãos, o Congresso, o Comité Central, a Comissão Política, o Secretariado do Comité Central e o Comité de Verificação do Comité Central. A questão que se coloca é qual é o nível de liberdade que os membros que fazem parte destes órgãos, têm para se expressar e fazer válidas as suas opiniões.

Para responder esta questão, a autora do artigo entrevistou alguns cidadãos que deixaram claro que a democracia interna nos partidos políticos vai muito além da realização dos seus congressos e do exercício do direito de voto. É antes uma manifestação de exercício da liberdade de filiação a partidos políticos e como tal, devem cumprir as funções estabelecidas na doutrina de Hofmeister (2021), designadamente, representação; liderança; participação na competição política; agregação e articulação de interesses sociais; legitimação da ordem democrática, e mobilização e socialização dos cidadãos.

Para efeitos de validação e concretização de uma democracia interna genuína, é fundamental que os órgãos dos partidos funcionem de forma livre, isenta e sem pressões de grupos de interesse nos partidos, das elites ou veteranos e mantendo sempre a liberdade dos seus membros.

Esta liberdade Segundo Lorena Mazive, não deve ultrapassar os limites estabelecidos nas leis em relação à obrigação da reserva do bom nome e de outros direitos pessoais.

Que futuro para os partidos políticos moçambicanos?

Lorena Mazive explica que na maioria dos países que passaram por um processo de transição para a democratização, a partir dos anos 1970, os partidos políticos desempenharam um papel central como agentes da mudança política, em colaboração com outros agentes sociais (Berneo/Yashar; O’Donnel/Schamitter, citados por Hofmeister (2021 pag. 76).

Acrescenta que Moçambique tornou-se um país formalmente democrático em 1990, com a consagração do Estado de Direito Democrático e do Multipartidarismo e, materialmente em 1994 quando realizou a sua primeira eleição geral, na qual foram eleitos o Presidente da República e Deputados da Assembleia da República.

“O facto de a Democracia moçambicana ainda ser jovem (34 anos), coloca-a na situação de ter de lidar em simultâneo com situações contextuais que a fragilizam, tais como conflitos políticos e insurgência, processos eleitorais ciclicamente contestados, percepção social de exclusão social e política dos cidadãos, limitação de exercício de liberdades civis e políticas, entre outros”.

Esta visão, segundo Lorena Mazive é também corroborada por Hofmeister (2021), que argumenta que “as condições gerais para uma estabilização das “jovens” democracias eram (e são) extremamente difíceis em muitos lugares, não apenas por causa das circunstâncias econômicas e sociais, mas sobretudo por causa da divisão de muitas sociedades por motivos étnicos, religiosos, regionais e outros”.

Argumenta ainda que com a evolução do acesso à informação, aumenta a capacidade de pensamento crítico dos cidadãos e do exercício avisado de direitos, liberdades e garantias constitucionais. “Para a Democracia, este cenário é muito positivo, mas pode não ser de todo benéfico para os partidos políticos, porque pode dar lugar ao que Mair (2003) designa por “erosão da identidade partidária”.

Esta situação manifesta-se pela quebra da fidelidade do voto, dando lugar a partilha dos mesmos eleitores pelos vários partidos políticos. Portanto, se o cidadão estiver informado, passa a fazer escolhas políticas baseadas no conhecimento e nos ganhos para si e não na mera influência política.

Os partidos que se encontram no poder querem manter o seu poder e hegemonia e os que estão na oposição “lutam” para emergir e serem eleitos em processos eleitorais que até hoje são tidos como pouco íntegros, transparentes e livres.

O esforço empreendido pelos partidos políticos da oposição para a ocupação da liderança política pública tem tido resultados pouco animadores. Este cenário é justificado por Mair (2003), segundo o qual, há hoje menos oposição real expressa através de processos de competição partidária e é difícil conceber de que modo tal situação pode ser invertida no futuro mais próximo.