Dados do Banco de Moçambique mostram que de 2011 para Março de 2024, Moçambique gastou cerca de 641,8 milhões de USD em importações de pneus de borracha.
O desaparecimento de indústrias-chave, como a Mabor de Moçambique, destaca a urgente necessidade de uma política industrial robusta e sustentável. A dependência excessiva de importações e a falta de diversificação da base produtiva, expõem o país a vulnerabilidades económicas, especialmente diante de flutuações nos mercados internacionais e crises globais. Com um compromisso colectivo e medidas concretas, Moçambique pode construir uma economia mais resiliente, diversificada e próspera para o benefício de toda a sua população.
Segundo um estudo realizado pelo Centro de Integridade Pública (CIP), intitulado “O Percurso Industrial de Moçambique e o Desafio da Transformação Económica”, nos últimos 49 anos desapareceram unidades industriais que no passado, para além de constituírem fonte de emprego e riqueza para muitos moçambicanos, representavam sectores chave para as exportações.
O CIP, que usou o caso da Indústria de Pneus de Borracha para o estudo explica que através desta empresa, Moçambique produzia para o mercado doméstico e exportava pneus de borracha para países como a África do Sul, Zimbabwe, Malawi, Zâmbia, Tanzânia, Maurícias e alguns europeus.
Com o abandono da empresa por parte dos proprietários portugueses, o Estado assumiu a empresa, tal como havia feito com centenas de indústrias.
Tal como aconteceu com muitas unidades fabris assumidas pelo Estado, o modelo de economia planificada e sem acesso ao seu principal mercado de exportação, a fábrica faliu. Sem uma indústria de produção de pneus, Moçambique teve de passar de uma situação de exportador para importador de pneus.
Internamente, a Mabor, para além de fornecer pneus ao parque automóvel, fornecia matéria-prima à indústria de recauchutagem, que com a falência da Mabor se viu obrigada a passar a importar a sua principal matéria-prima para sobreviver e abrir espaço para o mercado externo.
Só em 2021, Moçambique gastou com a importação de pneus recauchutados 439 mil dólares vindos da China (49%), Tailândia (20%), África do Sul (15%), Emirados Árabes Unidos (9%), Estados Unidos (4%) outros países (3%)45.
O desaparecimento da Mabor e o aumento da procura de pneus de borracha no mercado interno e externo, representa uma das grandes perdas de oportunidade para o florescimento do sector de produção de pneus de borracha.
Só a nível interno, dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que o parque automóvel do país cresceu de forma exponencial entre 2015 a 2020, de 661.355, em 2015, para 1.169.285, em 2021, correspondendo a uma variação de 76,8%.
Segundo o estudo do CIP, o crescente aumento do parque automóvel sem uma indústria interna para o alimentar de consumíveis básicos de manutenção, como pneus, só serve para alimentar a importação desses mesmos consumíveis.
Dados do Banco de Moçambique mostram que de 2011 para Março de 2024, Moçambique gastou cerca de 641,8 milhões de USD em importações de pneus de borracha. Os principais mercados de importação são a China, com 30% do total, Espanha, com 18%, África do Sul, com 11%, Japão com 10%, Índia com 8% e os restantes países com 23%. As importações de pneus de borracha cresceram em 74% entre 2011 e 2024, mostrando a mesma tendência que o aumento do parque automóvel.
Participação da indústria no PIB diminuiu em 7% desde a independência.
Segundo o mesmo estudo, a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu em 7% desde a independência. Moçambique ocupa, a 30ª posição no Índice de Industrialização da África de 2022, entre 52 países africanos. depois de ter ocupado a 8ª posição em 1970. Isto indica a necessidade urgente de mudanças nas políticas de desenvolvimento industrial.
Esta situação reflectiu-se em grandes desafios e transformou Moçambique em um mercado de produtos acabados, importados. A perda de indústrias-chave, como alimentares, de calçados e de borrachas, exacerbou essa situação.
De acordo com o estudo, em 2023, as exportações de Moçambique foram dominadas por grandes projectos no sector extrativo (carvão, gás, rubis e areias pesadas), representando 57% das exportações, e pela indústria transformadora (barras de alumínio), com 16%. As importações foram lideradas por bens intermediários (33%), incluindo combustíveis (10%) e material de construção (8%).
Bens de consumo como arroz, trigo, automóveis e medicamentos representaram 24% das importações. A taxa de cobertura das exportações sobre as importações, excluindo os grandes projectos, foi de apenas 26%.
Países da África Austral, como África do Sul, Eswatini e Namíbia, apresentam índices de industrialização significativamente mais altos o que destaca a lacuna que Moçambique precisa de preencher.
Entretanto, em 1970, Moçambique era o 8º país mais industrializado da África, com uma contribuição média da indústria de 11% do PIB, entre 1953 e 1974.
No entanto, após a independência, em 1975, o país enfrentou uma grave crise económica, exacerbada pela saída massiva de colonos europeus e por sabotagem económica, resultando em uma queda drástica do PIB.
Durante o governo de Samora Machel (1977-1981) o foco foi na indústria pesada como chave para a independência económica, com subsídios bancários para sustentar indústrias em crise. Em 1982, 73% das empresas eram estatais ou intervencionadas.
Parcerias internacionais foram estabelecidas para impulsionar a indústria, mas desafios como mão-de-obra não qualificada e sabotagem económica limitaram o sucesso. A guerra civil com a RENAMO agravou a situação económica, destruindo sectores produtivos e cadeias de comercialização.
Entre 1975 e 1983, a produção industrial foi dominada pelos sectores de alimentos, bebidas e tabaco, produtos químicos e derivados de petróleo e têxteis, vestuário e couros. A contribuição desses sectores variou mas a importação de produtos industriais superou significativamente as exportações.
Com a adesão às instituições de Bretton Woods, em 1984, e com a implementação do Programa de Reajustamento Estrutural (PRE), em 1987, Moçambique começou a transição para uma economia de mercado. As medidas incluíram desvalorização do metical, liberalização de preços e comércio e redução de subsídios.
A privatização beneficiou uma elite ligada ao governo
No entanto, segundo o CIP, a privatização beneficiou uma elite ligada ao governo, e a reabilitação industrial falhou ao abordar problemas estruturais. Nos anos 90, com o Acordo Geral de Paz, o crescimento económico foi impulsionado por megaprojetos, como a Mozal, mas os desafios estruturais persistiram.
Sob a governo de Armando Guebuza (2005-2015) a diversificação económica e a redução da dependência de sectores tradicionais foram prioritárias, mas a falta de desenvolvimento intersectorial e a dependência de recursos naturais continuaram a ser obstáculos.
Durante a governo de Filipe Nyusi (2015-2024) a industrialização foi vista como crucial, mas a implementação de políticas não trouxe inovações significativas. A contribuição da indústria ao PIB permaneceu em torno de 8% e os desafios de corrupção, gestão incompetente e falta de infraestruturas continuaram a impactar negativamente o sector.
O CIP explica que dadas as limitações dos dados disponíveis, o estudo utilizou uma análise descritiva para avaliar a evolução da indústria transformadora em Moçambique.
Estes dados foram colectados de várias fontes, incluindo o Instituto Nacional de Estatística (INE), Banco Mundial (WB), Banco de Moçambique (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI). A pesquisa incluiu entrevistas com especialistas, como Joseph Hanlon e João Mosca, e os dados foram rigorosamente tratados para garantir precisão.