Moçambique: Violação grosseira dos direitos humanos reflecte inoperância das instituições da justiça

O caso do confisco do equipamento de trabalho dos jornalistas da STV e do sequestro por algumas horas da activista social, Cheila Wilson, veio provar mais uma vez, a ausência do sistema de justiça, pois, num país normal, diante desses episódios, ninguém precisaria de meter uma queixa junto ao Tribunal ou a Procuradoria, porque seria a própria Procuradoria a começar uma acção penal contra os agentes que perpetraram esses actos e se for o caso, contra quem mandou esses agentes a cometer aquelas barbaridades.

Agentes civis da Polícia da República de Moçambique agrediram esta semana, dois jornalistas da STV e desapareceram com a câmera que continha imagens fortes de violência perpetrada por membros da Unidade de Intervenção Rápida, contra desvinculados das Forças de Defesa e Segurança de Estado.

O mesmo aconteceu com a activista social Cheila Wilson, que foi sequestrada por algumas horas, pela mesma polícia,  no mesmo local e confiscada o seu telemóvel que continha imagens fortes, que provavelmente, comprometeriam as autoridades.

Esta situação volta a colocar Moçambique na boca do mundo pela negativa, um país que já é considerado autoritário, apesar de ter eleições regulares em termos de cumprimento de prazos, porque a transparência das mesmas é questionável.

Os moçambicanos estão unidos através dos princípios da constituição e ninguém tem o direito de violar a Constituição e se coletivamente não haver esse entendimento, este tipo de situações não constitucionais e ilegítimas vão continuar.

 Espera-se, no entanto, que o próximo Presidente da República, a sair das eleições gerais de Outubro, venha, através da sua liderança fazer respeitar os princípios constitucionais de Moçambique, a partir de manifestações que criticam o Governo do dia, a partir do respeito do trabalho dos jornalistas e dos activistas, porque sem isso, o país vai precipitar cada vez mais no abismo do autoritarismo.

 A vida do cidadão moçambicano, não só está a piorar do ponto de vista económico, mas também, do ponto de vista de liberdade de expressão.

 Qualidade de governação mede-se pelas liberdades

 Para o activista social Borges Nhamire, do Centro de Integridade Pública (CIP), que reagia ao confisco do material da STV, do sequestro da activista Cheila Wilson e da agressão dos manifestantes, a qualidade de governação de um país mede-se pela liberdade desse mesmo país. Por isso, o que se assiste nos últimos tempos em Moçambique é o colapso do Estado.

“E o problema não está apenas no que aconteceu aos jornalistas, mas também aos manifestantes. Os agentes de segurança são aqueles que garantem a sobrevivência do estado, porque o político vem e passa e estes agentes permanecem ali”, disse.

Para Nhamire, quando reformados Agentes de Serviços de Inteligência de um Estado se manifestarem publicamente, é grave e é sinal de que esse mesmo Estado está em colapso.

“É colapso do Estado porque isso afecta os agentes em actividade actualmente e, também aqueles que ainda estão em formação, situação que rompe o compromisso do Estado com esses agentes”.

Governo não se guia pelos interesses da maioria

O Sociólogo moçambicano Elísio Macamo, a residir na Suíça, considera que a atitude agressiva da política é reflexo da atuação de toda a Função Pública e do Governo moçambicano. Diz ainda que o silêncio das autoridades é típico de um governo que não se guia pelos interesses da sociedade.

“O que aconteceu, não é necessariamente hostilidade a liberdade de imprensa, acho que esse é um conceito que eles próprios não entendem. A questão é muito mais básica do que isso, tem haver com a arbitrariedade do poder em Moçambique, com a falta de responsabilização”.

Segundo Macamo, a culpa de toda esta situação tem também a ver com a falta de respeito que tem caracterizado os nossos governos”, disse, acrescentando que estes, não respeitam as pessoas, não respeitam o país e muito menos os cargos que ocupam.

Ninguém está acima da lei

A lei de imprensa moçambicana no seu artigo 27, proíbe expressamente esse tipo de condutas. Segundo o jornalista e jurista Tomás Vieira Mário, as equipas de jornalistas em trabalho não podem ser impedidas, muito menos confiscados os seus instrumentos de trabalho, quem assim fizer, deve ser alvo de um processo judicial”.

Disse que em estado de direito quem pisa a linha deve ser levado ao tribunal e ninguém está acima da lei, pelo contrário a polícia é quem deve garantir que a lei se cumpra e não ser parte de quem viola.

Para Tomás não há ordem superior que justifica a violação da lei, este é um acto brutal, que não tem qualquer fundamentação. “Mesmo assim, a luta pelos direitos fundamentais não deve parar. Todas as liberdades e direitos nunca são definitivos, por isso, temos que continuar a lutar por eles”.

Tudo começou quando mais de trezentos antigos membros das Forças de Defesa e Segurança se encontravam acampados defronte dos escritórios das Nações Unidas, há mais uma semana, exigindo o pagamento de compensações devidas há mais de vinte anos, num valor de cinco milhões de Meticais para cada.

Por várias vezes o grupo tentou diálogos com o Governo, inclusive com o chefe de Estado, mas não foi ouvido.