Três vidas, três histórias de brutalidade

“NÃO sei quem é o pai do meu filho”, desabafa Aissa Mussa (nome fictício), uma jovem de 18 anos que carrega o peso de criar uma criança gerada durante a fuga dos terroristas, em Cabo Delgado.

Aissa é do distrito de Macomia e lembra que um dos ataques dos terroristas obrigou à fuga da família para a cidade de Pemba, ela frequentava a 10ª classe. “Estava com meus pais e meus quatro irmãos no mato escondidos, quando os terroristas nos interceptaram. Mataram o meu pai e levaram a mim e o meu irmão que na altura tinha 20 anos”, conta com as lágrimas a escorrer pelos olhos. Depois foi separado do irmão e, até hoje, nunca mais o tornou a ver.

Aissa conta que durante um ano, até o seu resgate pelas Forças de Defesa Nacional, foi obrigada a ser mulher de muitos homens. E nesse período ficou grávida. “Por isso, não sei quem é o pai do meu filho”, disse, agradecendo, contudo, a Deus por ter conseguido sair com vida das mãos dos terroristas e juntar-se à mãe e seus irmãos.

Lamenta, no entanto, a morte do pai e o desaparecimento do irmão levado pelos terroristas na mesma altura que ela. “A nossa vida mudou. Hoje somos dependentes do governo para tudo, a nossa mãe é doentia e temos medo que lhe aconteça algo pior”, disse.

Segundo Aissa, muitas mulheres e raparigas foram violadas não só pelos terroristas, mas elas não gostam de falar do assunto, por ser demasiado constrangedor.

Os terroristas ameaçam a província de Cabo Delgado desde 2017. Segundo dados do governo e das Nações Unidas, mais de 800 mil pessoas foram deslocadas das suas zonas de origem, 52% das quais são crianças até aos 18 anos e, destas, a maioria são raparigas, 27% são mulheres adultas, sendo mais de 3000 estavam grávidas em Setembro deste ano, e 21% são homens adultos.

No âmbito da campanha dos16 Dias de Activismo contra a Violência de Género, que termina hoje, as organizações femininas da sociedade civil, lançaram esta semana um documento intitulado “Um retrato da guerra em Cabo Delgado nas vozes das mulheres”, que aponta como impactos deste conflito o abandono, a pobreza, doenças, abusos sexuais, raptos, assassinato, traumas e sujeição à espiral de violência que se estende do campo de batalha ao espaço doméstico.

Segundo o mesmo documento, apesar de se dizer que elas não são vítimas directas porque não sofrem as decapitações, as mulheres enfrentam duplamente esta guerra. “Sofrem nas mãos dos terroristas e sofrem também nas mãos das próprias forças”.

A destruição e o abandono das suas terras, isola-as e elimina todas as redes de vizinhança e de apoio que tinham nas suas aldeias, tornando-as ainda mais vulneráveis a todos tipos de violência e discriminação, acrescenta o estudo.

 

A amarga experiência de uma união prematura e forçada

Isaura Macuacua

ISAURA Macuácua, 52 anos e líder comunitária do bairro Filipe Samuel Magaia, no distrito de Boane, transporta uma dor desde os 15 anos. Conta que em 1984 foi forçada a uma união prematura pelos pais, com um jovem de 23 anos com quem teve três filhos.

“Não fui consultada, foi um assunto tratado pelos meus pais e os avôs do pai dos filhos. Num dia, minha mãe chamou-me comunicou que quando eu estava na escola receberam uma família que vinha pedir-me para ser esposa do seu neto, que vivia na Matola Gare. Não respondi nada”, diz.

Em Setembro do mesmo ano, a mesma família voltou para o lobolo e, em Outubro, foi acompanhada para o lar, sendo obrigada a interromper os estudos e tornar-se adulta.

“Eu vi uma família a chegar em casa e logo os meus pais chamaram-me e mandaram-me arrumar as minhas coisas para ir ao lar. Deram-me como companhia a minha irmã mais nova, então com 11 anos”, explica, salientando que foi orientada para não mandar fazer nenhum trabalho às crianças que iria encontrar no lar, mas sim a sua irmã.

Chegada à sua nova família, depois de ter caminhado quase toda a noite, de Boane a Matola Gare, à Isaura foi indicada a palhota onde passaria a dormir e a machamba.

Conta que só conheceu o seu marido seis meses depois, uma vez que estava na Escola Prática de Polícia de Matalana. No dia em   que o marido chegou foi avisada pela sogra para não ir à machamba. “Ela disse, filha, o seu marido chega hoje, é bom não ir à machamba para poder se organizar para recebê-lo. Quando chegou (…) peguei susto. Eu tinha apenas 15 anos e ele 23”, contou.

“Cheguei a pensar em fugir, mas não tinha ideia do caminho. Submeti-me a ele e engravidei. Confesso que não foi fácil habituar-me à situação”, disse.

Cinco anos depois, com 20 anos e três filhos, a relação azedou. O marido iniciou uma  relação com outra moça. “Já me agredia, não ficava em casa e não ouvia mais a própria mãe”.

Certo dia, o marido expulsou-a de casa, alegando que ela não era a mulher escolhida por ele, mas sim pelos seus pais. “Isso ainda doí-me. Passei muitas dificuldades para criar os meus filhos”, lamenta.

Porque o azar não caminha só, Isaura conheceu outro homem, com quem teve dois filhos, mas não deu em nada, ficando com cinco filhos à sua responsabilidade.

Ao longo do tempo, Isaura envolveu-se em diferentes actividades e abraçou o associativismo. “Posso dizer que superei todas as dificuldades, consegui educar os meus filhos para não passarem o que eu vivi”, disse, orgulhando-se de ter duas viaturas e uma loja de venda de diferentes produtos.

 

Brincando com o fogo

Felismina Mbeve

JÁ na vila sede do distrito da Manhiça, província de Maputo, existem mulheres jovens que se unem em pequenos grupos para extorquir homens, principalmente em bares.

Segundo Felismina Mbeve, líder comunitária de um dos bairros da vila da Manhiça, ainda este ano recebeu um caso de uma jovem que foi abusada sexualmente por um homem depois desta e suas amigas terem tentado se aproveitar do extorquir do indivíduo.

“Ela e as amigas beberam e comeram à custa deste homem, para em troca oferecerem o prazer sexual. Mas as jovens, como era de costume, puseram-se em fuga, saindo uma por uma do bar. O senhor apercebeu-se e pegou em uma delas. Submeteu-a a  abusos sexuais toda a noite, causando-lhe ferimentos nos órgãos genitais”, disse.

A vovó Felismina, como é carinhosamente tratada, lamenta o sucedido com esta menina, mas critica com veemência o comportamento destes jovens, que favorece casos de violência, quer sexual quer física.

JOANA MACIE

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