O réu António Carlos do Rosário, revelou esta terça-feira, em sede do Tribunal que foi ele que mandou criar a empresa Txopela Investimentos, sob chancela do SISE, com o objectivo de atrair investimento privado para Moçambique, assim como desenvolver actividades de inteligência económica do estado.
O interrogatório a António Carlos do Rosário iniciou esta terça-feira, na Cadeia de Máxima Segurança da Machava, na província de Maputo.
António do Rosário disse que a Txopela é uma empresa operativa do SISE, mas com proprietários privados estrangeiros. O réu disse que inicialmente fez parte do corpo de accionistas, juntamente com outros dois quadros do SISE, cujos nomes não aceitou citar. Também disse não se recordar da percentagem da participação social dos mesmos, assim como dos membros da mesa da Assembleia Geral, mas revelou que Alexandre Chivale, seu advogado é um dos administradores da empresa e membro da secreta.
O réu explicou que é hábito na secreta se trazerem investidores ao país, capazes de gerar emprego e oportunidades, exigindo-os, em contrapartida, contributo para a segurança de Moçambique. “O SISE usa empresas de terceiros para realizar as suas operações em defesa do Estado”.
Carreira de espionagem
Disse que é funcionário do SISE desde 1999, tendo ingressado com 19 anos de idade, antes de ser admitido a faculdade, Instituto Superior de Relações Internacionais, actual Universidade Joaquim Chissano.
Segundo o réu, em 2002 teve duas promoções, sendo a primeira para chefe de secção da África Austral e SADC e depois foi promovido a chefe de Departamento para África e Médio Oriente, na divisão de analise.
Decorridos quatro anos foi promovido a cargo de director nacional de Assuntos Internacionais, na Divisão de Analises (ameaça de oportunidades).
Em 2015 passou a exercer de facto as funções de coordenador de inteligência económica, quando foi formalmente designado e exerceu até finais de 2017. Competia a ele planificar, organizar, dirigir e controlar toda actividade analítica sobre indícios de fenómenos que representassem ameaças ou oportunidades para a República de Moçambique.
O réu esclareceu que já tratava dos assuntos relacionadas a inteligência económica quando exercia as funções de director nacional de assuntos nacionais na Divisão de Analises e que a Direcção Nacional e Inteligência Económica é autónoma.
Como chefe de secção, respondia perante o chefe de departamento e depois de ser promovido a chefe de departamento passou a responder perante o director de divisão de depois de ser promovido a director nacional de Assuntos Internacionais também respondia ao director de divisão, porque estava na divisão de analise.
Quando foi promovido ao cargo de director nacional de inteligência económica, Rosário passou a responder directamente ao director geral do SISE.
O réu disse ainda que fazia parte do Comando Conjunto das Forças de Defesa e Segurança na qualidade de quadro permanente, acompanhando o seu director geral que era membro do comando, ele próprio e o director de Divisão de Operações Internas, mas também fazia-se presente no Comité de Apoio ao Presidente da República, que tinha a mesma composição com o comando conjunto com a inclusão do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Formação
Do Rosário é formado em Relações Internacionais e Diplomacia (ISRI), de 94-99, mas antes de terminar o curso teve uma formação no Instituto Holandês de Relações Internacionais de Janeiro a Fevereiro de 1998. É pós graduado em administração de empresas, pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCT), através do Instituto Superior Politécnico Universitário (ISPU).
Tem também formação militar e de inteligência em vários cursos dentro e fora do país.
Disse ao Tribunal que não tem experiência na área de construção naval, tendo apenas sido gestor de empresas relacionadas. Não tem também formação na área de aviação civil militar e telecomunicações, e na indústria pesqueira.
Perguntado se desenvolveu actividades comerciais ou empresariais a título individual ou colectivo, enquanto funcionário do SISE, o réu respondeu afirmativamente e que já não se recordava das empresas e das pessoas.
Disse que conhecia a empresas Indico Propriety e que é uma sociedade unipessoal detida por ele próprio, depois da autorização do director geral do SISE. Também afirmou que conhece a empresa Informática Mania Limitada, criada pelo SISE e que mais uma vez é sócio com 30 por cento de acções.
Segundo o réu a Informática Mania Limitada foi criada para viabilizar as operações do SISE, no âmbito do apetrechamento com material informático.
Até a data da prisão não conhecia os réus Bruno Langa e Ndambe Guebuza
Também explicou que conheceu o co-réu Cipriano Mutota desde 2012, quando começou a participar no Conselho Consultivo da instituição. Afirmou que para alem da relação profissional não tem com este, qualquer outra relação ou interesse comum. Disse que conhece o co-réu Bruno Langa desde o dia da legalização da sua detenção.
Em relação ao co-réu Ndambe Guebuza, disse ao tribunal que viu-lhe pela primeira vez na cadeia e relativamente a co-ré Ângela Leão, explicou que foi sua aluna no ISRI e depois de casar com o seu director geral, Gregório Leão, passou a frequentar a casa do casal, mas negou que fosse amiga desta.
Admitiu que ele e Cipriano Mutota tentaram desenvolver uma actividade económica, mas como não tinham tempo, incluíram a co-ré Ângela Leão, só que este projecto não saiu do papel. “Não tenho relações empresariais com a ré Ângela , foi apenas uma tentativa que não avançou”, disse.
António Carlos do Rosário responde por associação para delinquir, peculato (apropriação ilegal de recursos do Estado) e branqueamento de capitais.
A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas de se terem associado em “quadrilha” e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares – valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso – angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.
As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do Parlamento e do Tribunal Administrativo.
Juiz processa António do Rosário
Entretanto, o juiz que julga o caso das dívidas ocultas, Efigénio Baptista processou, o réu António Carlos do Rosário por desrespeito ao Tribunal e ao Ministério Público. Com este processo, do Rosário irá responder a um processo autónomo, que deverá passar pela Procuradoria-Geral da República.
Segundo o juiz o réu cometeu infracções de natureza criminal, durante o interrogatório, ao discutir com o tribunal e a certa altura o réu que falava ao mesmo tempo que o juiz disse, “o facto de ser juiz não lhe dá direito de faltar com respeito às pessoas. Eu respeito e não destrato as pessoas. Se foi o melhor estudante de Direito, não venha aqui insultar às pessoas”.
Do Rosário exigiu justiça ao tribunal, pois, entende que o Ministério Público não deveria lhe colocar perguntas sobre a Kroll sem que considerasse na acusação o contraditório das empresas que dirigiu, ProIndicos, MAM e EMATUM, porque nem tudo o que aquela auditora disse constitui a verdade.” Os meus advogados tentaram apresentar à PGR um contraditório, sem sucesso”, desabafou.