Mutota foi quem recebeu em primeira mão a proposta do Projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva de Moçambique, trazida pela representante da Abu Dhabi Mar LC, do grupo Privinvest, na África do Sul, Batsetsane Thlokoane, através de Teófilo Nhangumele.
Trata-se de um processo complexo da contratação das “dívidas ocultas, cujo o julgamento iniciou ontem, em Maputo, envolvendo 19 réus acusados pelo Ministério Público de crimes de chantagem, corrupção passiva para acto ilícito, peculato, associação para delinquir, abuso de cargo ou função, violação de regras de gestão, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e uso de documentos falsos.
O antigo director de Estudos e Projectos do Serviço de Investigação e Segurança do Estado (SISE), Cipriano Mutota, foi o primeiro réu a ser julgado e nas primeiras declarações afirmou que o projecto da protecção marítima da Zona Económica Especial, que deu origem ao calote das chamadas dívidas ocultas, estava avaliado em 360 milhões de dólares, e não tem conhecimento sobre as razões que levaram o custo final a atingir os dois mil milhões de dólares.
Numa audição que iniciou um pouco depois das 9 horas, Mutota revelou terem sido o director do SISE, Gregório Leão, juntamente com o seu amigo Teófilo Nhangumele, os cérebros da criação da Proíndicus, o estudo de viabilidade apontava que o valor citado haveria de custear a aquisição de todos os meios necessários para garantir o funcionamento da empresa e garantia de todos os serviços a que se propunham disse na sua audição pelo Tribunal.
Disse ainda que Leão e Nhangumele, foram colegas no Instituto de Relações Internacionais, actual Universidade Joaquim Chissano.
Acrescentou que a Proíndicus vinha responder a uma missão que tinha sido incumbida pela direcção do SISE, sobre as ameaças ao Estado, que apontava para a ocorrência de terrorismo, raptos, pesca ilegal, de entre outros crimes.
Segundo Mutota, o orçamento inicial já incluía uma “propina” de 50 milhões de dólares, que Jean Boustani, empresário libanês, em nome da Abudabi Mar, prometera pagar às figuras envolvidas na facilitação da aprovação do projecto. O projecto financeiro foi submetido ao gabinete do então Ministro das Finanças, Manuel Chang, que indicou a então directora nacional do Tesouro, Isaltina Lucas, para dar assistência na organização e estruturação das contas.
Projecto era do conhecimento de Armando Guebuza e Filipe Nyusi
Mutota disse ainda que o projecto era do conhecimento do então Presidente da República, Armando Guebuza e do actual, Filipe Nyusi que, na qualidade de Ministro da Defesa Nacional, chefiava o Comando Operativo Conjunto, órgão que envolvia, para além do sector da Defesa, o SISE e o Ministério do Interior, que faria a coordenação.
O arguido disse ter estado em duas reuniões com o Presidente Guebuza, na Presidência da República, onde o projecto foi abordado.
Segundo contou, o projecto teve momentos de indefinição no processo da aprovação pelas autoridades moçambicanas e foi daí que entraram em cena os lobistas do esquema, nomeadamente, Teófilo Nhangumele e Bruno Tandane, que chegaram a Ndambi Guebuza, filho do então Chefe de Estado, para influenciar o pai, a agilizar as decisões.
Na mesma audiencia, Mutota disse que depois que o “trio” Ndambi Guebuza, Teófilo Nhangumele e Bruno Tandane Langa, terem recebido 50 milhões de USD por ter conseguido ok do antigo Presidente da República, Armando Emílio Guebuza , para que o negócio fosse avante, o grupo não informou Mutota, que confiava em Nhangumele, de quem era amigo e antigo colega da faculdade, no ISRI.
Foi através de uma conversa com Ângela Leão, esposa de Gregório Leão, na altura Director do SISE, que Cipriano Mutota ficou a saber que a Privinvest afinal já tinha desembolsado o valor.
Depois de obter essa informação, Mutota interpelou Teófilo Nhangumele. “E a minha parte?”, perguntou ele. Nhangumele respondeu que nada sabia do assunto, porque o dinheiro que ele tinha recebido (8.5 milhões de USD) era seu. A atitude de Nhangumele contrariava o compromisso que tinha sido assumido num encontro com Jean Boustany, de o dinheiro ser distribuído por todos os membros da “equipa” que abriu o decisivo caminho para a entrada da Privinvest em Moçambique.
Mutota voltou a contactar Nhangumele e também Tandane, mas estes recusaram-se a partilhar o dinheiro com aquele oficial do SISE, aconselhando-o a ir ter com Ndambi, dado que o filho primogénito de Armando Guebuza tinha recebido o valor, mas este também declinou satisfazer a exigência de Cipriano Mutota.
identificou uma casa avaliada em 2.795.000,00 Rands. Na tentativa de não ficar ‘de mãos a abanar’, Mutota enviou à Privinvest uma proposta de pagamento, que não “pegou”. Mas depois de muita insistência, Boustany instruiu Cipriano Mutota no sentido de identificar uma pessoa a quem o libanês pudesse enviar o dinheiro. A condição era que o receptor do valor repassasse a Mutota sem “dar nas vistas”.
Mutota contactou dois amigos seus, sul-africanos, Chris Bruno Austin e Russel Edmunds, a quem pediu que recebessem o valor da Privinvest. Austin e Edmunds não só anuíram ao pedido como demonstraram a sua honestidade. Os 656.417,88 de USD que Chris Austin recebeu da Privinvest foram parar às mãos de Cipriano Mutota. O dinheiro enviado (igualmente pela Privinvest) para a conta de Russel Edmunds na Inglaterra foi convertido pelo seu receptor em sete camiões adquiridos ao preço de 105 mil Euros cada. Deste modo, a acusação refere que Mutota recebeu da Privinvest 980 mil USD, um valor muito abaixo do que o arguido esperava.
Para justificar a recepção do valor transferido por Austin, Mutota enviou um email ao seu banco alegando que o dinheiro provinha da venda de uma participação sua na empresa ESV Group, PLC, em Londres, o que não constituía verdade, porque as acções em causa nunca estiveram à venda.
Quanto aos sete camiões, a acusação diz que Cipriano Mutota vendeu de imediato três deles, ficando com quatro para transporte de carga. Os veículos eram parqueados no Instituto Nacional de Gestão de Calamidades. Posteriormente, Mutota desistiu do negócio, vendendo os quatro camiões.
Mutota é acusado de crimes de abuso de confiança, branqueamento de capitais, corrupção passiva para acto ilícito e associação para delinquir.
Sob comando do juiz Efigênio Baptista, os có-réus são julgados por terem recebido ilicitamente parte dos valores provenientes de empréstimos bancários obtidos de instituições financeiras estrangeiras, designadamente Credit Suisse e VTB Capital, perfazendo cerca de 2.1 biliões de dólares.
Distribuição do valor pelas empresas
O montante foi distribuído pelas empresas PROÍNDICUS (USD 622milhões), EMATUM (USD 850 milhões) e MAM (USD 535 milhões). Estas entidades foram criadas para garantir a segurança da costa moçambicana e dos grandes projectos ligados à exploração de gás e petróleo (no caso da primeira), para a pesca de atum (a segunda) e ainda para a manutenção das embarcações e outros equipamentos adquiridos na França (a terceira).
Porém, é desconhecido o paradeiro de pouco mais de um bilião dos 2.1 biliões de dólares norte-americanos. Parte deste valor resultou da sobre facturação na prestação de serviços, sabendo-se, entretanto, que há 200 milhões de dólares norte-americanos que foram para subornos e comissões que beneficiaram cidadãos estrangeiros e os 19 co-réus moçambicanos em julgamento desde ontem.
Destes 200 milhões de dólares, 54 foram para as contas de estrangeiros e 146 para bolsos de moçambicanos, segundo apurou uma auditoria.
No banco dos réus estão Teófilo Nhangumele, 50 anos de idade à data da instauração do processo; Bruno Langa (41); Cipriano Mutota (61), um oficial do SISE; Armando Ndambi Guebuza (42), filho do antigo Presidente da República Armando Guebuza; Gregório Leão (60), antigo director-geral do SISE; António Carlos do Rosário (44), então director nacional de Inteligência Económica do SISE e presidente do Conselho de Administração das Empresas PROÍNDICUS, EMATUM E MAM; Ângela Buque Leão (41), esposa de Gregório Leão; Fabião Mabunda (40); Sidónio Sitoe (47); Crimildo Manjate (38); Mbanda Duque Henning (43); Inês Moiane (50); Renato Matusse (61), antigo Conselheiro do Presidente Armando Guebuza; Zulficar Ahmad (46); Khessaujee Pulchand (37); Simione Mahumane (46); Naimo Quimbine (39); Sérgio Namburete (58); e Elias Moiane.
Ontem, primeiro dia do julgamento, o juiz do caso, Efigénio Baptista indeferiu o requerimento dos advogados de defesa referente a suposta extrapolação do prazo de prisão preventiva de alguns arguidos implicados.
Efigénio Baptista afirmou que as questões relativas à prisão preventiva dos arguidos, foram em todas as instâncias judiciais. ZEBRA/RM/CARTA