A Cimeira Extraordinária da Dupla Troika da Comunidade dos Países da África Austral (SADC), realizada há semanas em Maputo, trouxe expectativas de que venha a haver uma intervenção militar regional em Cabo Delgado. Na verdade, não é bem assim, e quem o diz é o especialista em relações internacionais Paulo Wache. O académico esclarece que a SADC limita-se a dar uma espécie de autorização aos países membros para que, querendo e podendo, apoiem Moçambique.
Reunidos há semanas na capital moçambicana, os líderes que compõem a Dupla Troika da SADC determinaram a criação de uma equipa técnica que deverá viajar para Cabo Delgado para avaliar a situação in loco. No final, a missão deverá produzir um relatório contendo, entre outros elementos, o tipo de ajuda mais adequado para Moçambique no combate ao terrorismo. Está, no entanto, hipotecada a possibilidade de haver intervenção militar directa do bloco regional, defendeu Paulo Wache, em entrevista exclusiva concedida ao Dossiers & Factos.
À partida, Wache refere que a SADC não tem forças armadas para fazer uma intervenção, pelo que a sua acção não vai para além da emissão de aval para que os países membros se envolvam no processo de combate ao terrorismo. Esta é a fase que o analista descreve como “multilateral”. “Daí em diante, portanto, depois da autorização da SADC, começa a parte bilateral, uma fase em que Moçambique e os Estados da SADC podem concretizar o apoio”, explicou o académico, lembrando que, apesar de a agremiação não obrigar nenhum país a se envolver na busca de soluções, é importante que seja ela a autorizar este tipo de apoios, até para evitar embaraços. “Já aconteceu um fenómeno parecido na República Democrática do Congo, em que Zimbabwe, Namíbia e Angola enviaram tropas, mas a SADC não se tinha pronunciado. A SADC deplorou e pediu para que os Estados voltassem”, recordou
Quanto à proveniencia dos terroristas, Wache disse que em Dezembro último, na apresentação do informe geral sobre o estado da Nação, o Presidente da República fez menção às zonas de origem dos terroristas que actuam em Cabo Delgado. Para além de moçambicanos, há, segundo Filipe Nyusi, quenianos, tanzanianos, somalis, malawianos, entre outras nacionalidades. Para Paulo Wache, a presença de diferentes nacionalidades pode dar-nos, erradamente, a percepção de que os países de proveniência são apoiantes do terrorismo, quando, na verdade, a nacionalidade está longe.
“Eles não são actores que obedecem a comandos de um Estado, são actores que obedecem a comandos filosóficos. Neste caso, o instrumento que se usa para a radicalização é um instrumento religioso e não nacional.
de ser o vínculo mais importante na perspectiva dos insurgentes. “Eles não são actores que obedecem a comandos de um Estado, são actores que obedecem a comandos filosóficos. Neste caso, o instrumento que se usa para a radicalização é um instrumento religioso e não nacional. Não estão a lutar pela soberania de um país, estão a lutar pela soberania de uma identidade religiosa, com base numa corrente dessa mesma religião. Não é todo o islamismo que está lá dentro”, vincou. De acordo com Wache, a identificação das nacionalidades dos envolvidos, embora errada “do ponto de vista de identidade”, é correcta “sob ponto de vista de Estado” e deve, aliás, servir de alerta para os respectivos países de que são oriundos. “Significa que esses [os terroristas estrangeiros], se forem bem corridos daqui, podem ir instalar-se nos seus próprios países”, pelo que, defende o nosso interlocutor, a ameaça é regional.
Fonte: Dossier e Factos