Garantir apoio psicológico às mulheres vítimas do terrorismo em Cabo Delgado

Muitas mulheres vítimas do terrorismo viram seus maridos a serem assassinados, filhos raptados e suas filhas usadas como escravas sexuais.

Moçambique é vítima de acções terroristas desde Outubro de 2017, sendo a província de Cabo Delgado o principal palco deste conflito armado, que se traduziu em destruições e saques, raptos e assassinatos de populações civis. O conflito intensificou-se ao longo do ano de 2020, com ataques a vilas sede distritais, conduzindo à deslocação forçada de centenas de milhares de indivíduos.

Por serem mais frágeis fisicamente, por constituírem alvo da predação sexual de jovens armados e por serem, tradicionalmente produtoras de alimentos, as mulheres constituem um alvo recorrente, permanecendo numa posição particularmente vulnerável.

Elisa Muianga, gestora de projectos no Instituto para Democracia Multipartidária (IMD), defende que devido a traumas que muitas mulheres carregam deste conflito, o Governo e organizações da sociedade civil, que trabalham em prol da mulher, devem estudar formas de reanimar a vida deste grupo social.

Disse que a sua reintegração às suas zonas de origem deve ser acompanhada por um trabalho de apoio psicológico. “É sabido por todos que o país não está preparado para oferecer apoio psicológico a centenas de milhares de mulheres e homens, incluindo crianças que sofreram traumas deste conflito”, disse, convidando o Governo e as organizações da sociedade civil a recorrer as experiência usada na reintegração das vítimas do conflito dos 16 anos, entre o Governo e a Renamo, terminada em 1992, com o Acordo de Paz de Roma.

Segundo Elisa Muianga, é importante este acompanhamento psico-social porque vai reanimá-las a continuar a viver e a prosseguir os seus projectos. “Este trabalho não deve ser confiado apenas a psicólogos convencionais, mas é preciso contar também com “psicologos” comunitários,  conselheiros, curandeiros e religiosos que vão usar banhos e rezas e outros conhecimentos do domínio das comunidades”, disse, lembrando que em 1992 fez parte do trabalho de reintegração social de mulheres e estas, repetiam várias vezes a necessidade de passarem por um tratamento tradicional.

Após o processo de fuga traumática, de luto, de angústia resultante do desconhecimento do paredeiro dos seus familiares, de perca de bens e de incerteza em relação ao futuro, estas mulheres entraram na lista de dependência de terceiros para sobrevivência.

Em entrevista a ZEBRA (https://zebrando), a gestora de projectos do IMD, justifica que muitas mulheres viram seus maridos a serem esquartejados, seus filhos levados para engrossarem fileiras dos malfeitores e suas filhas usadas como escravas sexuais dos terroristas. “Por isso, não será suficiente uma reintegração social e económica destas mulheres, sem antes trabalhar-se as suas mentes.

Disse que o IMD tem uma Academia Política da Mulher que por sua via acompanha com muita atenção todo o processo do conflito armado em Cabo Delgado. “Acredito que existem várias associações humanitárias e mesmo da sociedade civil moçambicana que estão a apoiar estes deslocados, com ênfase para as mulheres que tem necessidades muito especificas.

Segundo Elisa Muianga, a primeira fase da reintegração deste grupo, deve contemplar o levantamento das necessidades básicas e especificas das mulheres tendo em conta que algumas abandonaram as suas zonas de origem logo no inicio da insurgência, nos finais de 2017.

Violação sexual

De acordo com o Observatório Rural Nº 114, de Maio último, estas mulheres que representam mais de 65 % dos indivíduos deslocados, foram acolhidas em campos de deslocados ou junto de familiares, mas enfrentam o problema de falta de roupa, alimentos e assistência médica.

Segundo o Observatório Rural, encarar as mulheres apenas como vítimas passivas do conflito não capta a complexidade da situação. De forma voluntária ou forçada, por convicção ou sem alternativa, a literatura demonstra que as mulheres desempenham um papel activo nos conflitos armados, como observadoras e fornecedoras de informações militares, no fornecimento de apoio logístico, como vigilantes e, mesmo, como soldados.

De acordo com o Observatório Rural os relatos mais violentos reportam-se ao distrito de Quissanga e foram protagonizados por terroristas, (machababos). Várias testemunhas oculares referiram mulheres violadas em grupo ou, inclusivamente, com objectos, falecendo no terreno ou, posteriormente, na cidade de Pemba. As sobreviventes apresentavam-se fortemente traumatizadas com a situação, tendo inclusive perdido a fala: “Eles te violam colectivamente e abusadamente, e, após se fartarem, te introduzem paus e objectos impróprios. Você, como mulher, não foi criada para ser violada com paus ou com mais de 80 homens, você sendo única. O que sobras como pessoa?”.

De acordo com o mesmo estudo, a realidade é que uma equipa dos Médicos sem Fronteiras que regressou, em Fevereiro de 2021, ao distrito de Macomia, relatou um número elevado de infecções sexualmente transmissíveis entre a população (ACLED, 09.02.2021).

Mulheres sequestradas no município de Mocímboa da Praia foram conduzidas para acampamentos temporários, localizados a cerca de 30 ou 40 km a Sul do município, geralmente em aldeias abandonadas, transportadas às dezenas em carrinhas de caixa aberta. Da mesma forma, após o ataque a Palma, em Março de 2021, jovens mulheres foram transportadas de carrinha durante a noite e pelas matas, até à vila de Mocímboa da Praia.