Torna-se necessário o desenvolvimento de um plano pós-retorno à vida civil por forma a garantir a sustentabilidade do processo de paz a médio e longo prazo.
Um relatório divulgado semana passada em Maputo, pelo Instututo para Democracia Multipartidária (IMD), intitulado “Um Ano da implementação de DDR: Avanços e desafios para a sustentabilidade”, chama a atenção para que o processo de Desarmamento, Desmobilizacao e Reintegração (DDR), respeite os interesses particulares das mulheres da mesma forma que respeita os dos homens, apesar de os dados revelarem que ela está em menor número entre os beneficiários directos.
Dos 5221 guerrilheiros da Renamo previstos para se beneficiar do processo de DDR até ao fim do processo, 257 são mulheres. Considera-se importante que se tenha em conta uma abordagem com vista a garantir tratamento equilibrado entre mulheres e homens e, desta forma, evitar que uns se sintam mais vulneráveis que os outros. Para o efeito, o estudo considera ser importante que nos programas de reinserção social a médio e longo prazos, se considere as necessidades específicas das mulheres, tendo em conta que elas, tal como as crianças e os idosos, são os grupos mais vulneráveis.
Nas mulheres, esta vulnerabilidade é agravada pela sua exclusão em processos negociais para a paz e reconciliação, que têm sido predominantemente espaços masculinizados.
Segundo o estudo, uma das evidências do fraco envolvimento das mulheres em processos negociais para a paz é que, dos três acordos até aqui assinados para pôr termo a este conflito, em nenhum momento como um dos seus signatários uma mulher, quer da parte do Governo, assim como da parte da Renamo.
Contudo, é importante explicar que “ao nível da equipa do secretariado que apoia o processo da Paz, nota-se uma presença significativa de mulheres, e elas correspondem a 48% do total dos integrantes da equipa, o que é considerado satisfatório, por estar muito próximo dos 50% e enquadrar-se no que se considera paridade de género”, afirma o relatório do IMD, que sublinha a importância de se manter a forte presença de mulheres a todos os níveis de implementação do DDR, por forma a garantir que os seus interesses estejam a ser acautelados.
Para o mesmo estudo, num momento em que se caminha para a conclusão das fases formalmente previstas no processo de DDR, torna-se necessário o desenvolvimento de um plano pós-retorno à vida civil por forma a garantir a sustentabilidade do processo de paz a médio e longo prazo.
A sensibilização constante das comunidades, criação de oportunidades inclusivas de desenvolvimento para beneficiar não apenas aos ex-guerrilheiros e suas famílias, como também as comunidades receptoras e as comunidades mais afectadas pelos conflitos devem ser seriamente considerados no plano. Programas de facilitação de bolsas de estudos, desenvolvimento de iniciativas de facilitação ao acesso ao financiamento para projectos de geração de renda, incluindo treinamentos aos potenciais beneficiários sobre a sua gestão, descriminação positiva no acesso às oportunidades de emprego, entre outras iniciativas, devem corporizar o pacote.
Fortalecer constantemente as instituições democráticas a todos os níveis
Igualmente, deve-se fazer uma transição de programas específicos de apoio ao retorno à vida civil para os ex-guerrilheiros para programas mais abrangentes, beneficiando as comunidades receptoras e as mais afectadas pelo conflito, por forma a evitar tratamento discriminatório aos ex-guerrilheiros. Ressalva-se, contudo, a necessidade de se potencializar e priorizar iniciativas tendentes a tornar os ex-guerrilheiros capazes de criar os seus próprios meios de subsistência e prosperidade de forma independente em relação ao Estado, em detrimento de programas que os mantenham dependentes.
Para garantir a manutenção e sustentabilidade da paz, é importante que se fortaleça constantemente as instituições democráticas a todos os níveis, por forma que todos os cidadãos, ex-guerrilheiros e não só, tenham mais confiança no seu pleno funcionamento e percebam como capazes de resolver os seus diferendos, sem necessidade de se recorrer à violência.
Outro aspecto importante neste processo de DDR tem a ver com a necessidade de se envolver cada vez mais as partes envolvidas no diálogo permanente, e que se torne cada vez menos elitista, onde os signatários do acordo parecem monopolizar a esfera decisória sobre caminhos a seguir para o alcance de paz para todos os moçambicanos.
Todas as forças vivas da sociedade, incluindo os partidos políticos, organizações da sociedade civil, organizações religiosas, entidades públicas e privadas devem ser envolvidas para que façam uma monitoria com base em informação correcta, mas também estejam melhor posicionadas para tomar iniciativas com vista a garantir uma implementação efectiva dos acordos alcançados.
De lembrar que o processo de DDR dos homens residuais da Renamo resulta dos esforços entre o Governo, liderado pela Frelimo e a Renamo tendo em vista pôr termo ao conflito político-militar entre as partes. A última vaga do conflito entre o governo e a Renamo remonta do ano 2012 e, com certa intensidade, na região Centro (em 2013).
Neste sentido, no dia 3 de fevereiro de 2018, o Presidente Nyusi anunciou a redefinição da arquitetura e os procedimentos para as negociações. Assim, os principais elementos se definiram como: Contactos regulares entre os líderes máximos; estabelecimento de dois comités técnicos de trabalho sobre descentralização e assuntos militares composto por dois membros do governo e dois da Renamo; recrutamento de assessores internacionais para cada um dos dois comités; estabelecimento de um grupo internacional de contacto para supervisão.
Desafios do processo de DDR :
1 : Junta Militar procura descredibilizar o processo
O surgimento da autoproclamada Junta Militar, liderada por Mariano Nhongo em 2019, mereceu sempre atenção no processo de implementação do DDR, pelo facto de serem duas agendas que reivindicavam os mesmos beneficiários, mas com destinos diferentes. Por um lado, o processo de DDR procura convencer e criar condições para os antigos guerrilheiros da Renamo voltarem à vida civil.
Por outro lado, a Junta Militar procura descredibilizar o processo e convencer os seus beneficiários a se manterem nas matas até que o Governo reconheça o líder deste grupo como um interlocutor válido no processo negocial, em detrimento de Ossufo Momade, Presidente do partido, eleito em congresso.
A expectativa é que o sucesso na implementação do DDR, ajude a mobilizar mais membros deste grupo a aderirem no processo. Embora não se conheça o número total das pessoas que integraram o grupo, encoraja as partes o facto de, até março de 2021, pelo menos 42 dos integrantes do grupo terem desertado e aderido ao DDR.
A actualização mais recente de 22 de maio de 2021 indica que este número subiu para 62. O relatório destaca que entre os desertores da Junta Militar, inclui-se três dos homens mais influentes, na Junta Militar, nomeadamente, o ex-porta-voz da JM, João Machava, o ex-chefe de estado maior general da JM, Paulo Nguirande e André Matsangaissa Junior, jovem familiar do líder fundador do partido.
Preocupa que tenham sido registrados dois ataques no mês de abril, na província de Tete. Em um dos ataques, fontes locais afirmaram à imprensa que os protagonistas teriam deixado uma carta identificando-se com este grupo.
No entanto, espera-se que se concretize a convicção manifestada por André Matsangaissa, distanciando a Junta Militar dos ataques de Tete, tendo assegurado que o líder deste grupo, Mariano Nhongo, estava em vias de aderir ao processo do DDR. Mesmo assim, o comprometimento que tem sido demonstrado pelas duas lideranças no sucesso do DDR, tem sido suficientemente forte para que a ameaça da Junta Militar não atinja níveis que comprometam o DDR na sua globalidade.
2: Desafio do terrorismo em Cabo Delgado
Segundo o relatório, durante o primeiro ano da implementação do DDR não há evidencias de que o terrorismo tenha influenciado o processo. No entanto, esta possibilidade ainda está aberta, sobretudo tendo em conta que uma das seis bases que ainda não foram desmobilizadas, a de Namanhumbire, está localizada na província de Cabo Delgado, concretamente no distrito de Montepuez.
Apesar do distrito não ser um dos mais afectados pelos ataques terroristas, receios persistem sobre a possibilidade de a base integrar pessoas provenientes das zonas afectadas. Este facto deve manter em alerta aos gestores do processo de DDR sobre o risco deste conflito dificultar a reinserção dos beneficiários. Em caso de haver beneficiários que sejam provenientes destes locais, as autoridades devem envidar esforços para que estes tenham a alternativa de serem reassentados em zonas mais seguras.
3 : Desafio da limitação dos recursos financeiros
Apesar da vontade política demonstrada por todas as partes directamente envolvidas no DDR, as limitações dos recursos financeiro tiveram sempre um impacto na implementação do processo. Devido a estas limitações, apesar do acordo ter sido assinado em agosto de 2019, apenas em junho de 2020 é que se observou a desmobilização dos primeiros homens residuais da Renamo.
A demora do arranque do processo, em parte, deveu-se à indisponibilidade dos fundos anunciados pelos parceiros de cooperacao até a assinatura do acordo. Já depois do reinício, o processo registou descontinuações regulares. Por exemplo, depois de terem sido reintegrados 556 homens nos primeiros dois meses, junho e julho, passaram os meses de agosto e setembro sem se encerrar nenhuma base. A esta paragem, seguiram-se três meses (outubro, novembro e dezembro) em que foram anunciadas novas bases encerradas, num total de 521.
Já em 2021, passados quase três meses, só em março é que houve registo de novos desmobilizados e mais tarde em julho, com cerca de tres meses de paragem. Ainda sobre os fundos destinados ao DDR, a partilha de informação tem sido limitada, o que revela uma fraca transparência no processo, podendo propiciar especulações cujo impacto pode colocar em causa a implementação do processo. Um processo inicialmente previsto para junho de 2021 foi adiado para julho seguinte, em resultado do boicote feito pela Renamo, que acusava o Governo de falta de transparência na implementação das actividades do DDR.
Falta transparência no processo DDR
De acordo com o relatório do IMD, apesar do DDR ser um processo de interesse nacional e dos parceiros de cooperação, poucas informações tem sido tornadas disponíveis. Algumas informações são tornadas públicas por via de discursos de ocasião ou de comunicados de imprensa. Por vezes estas informações são contraditorias.
“O DDR decorre num formato fechado e secreto onde nem a sociedade civil pode acompanhar, o que contrasta com os princípios de transparência e de continuidade, sempre necessários em processos do genero”.
Sabe-se, que os doadores para o Fundo Comum para o DDR incluem a União Europeia, Reino dos Países Baixos (Holanda), Finlândia, Suíça, Suécia, Noruega, Irlanda, Reino Unido, Ministério Federal das Relações Exteriores da Alemanha, Canadá e o Botswana.
No entanto, não se sabe os valores que cada um destes parceiros desembolsou ou se comprometeu em desembolsar e nem mesmo a totalidade dos fundos já disponibilizados. “Se as negociações dos acordos podiam decorrer num ambiente de confidencialidade com vista a se buscar confiança para se alcançar consensos, o mesmo já não se pode afirmar em relação ao DDR, um processo técnico e social que requer a participação da sociedade”, diz o relatório, acrescentando que o dificiente acesso a informação sobre o DDR inclui o plano, o orçamento, a participação dos parceiros e o papel dos envolvidos.
Adianta o documento, que a transparência no DDR é ainda afectada pelo facto de não se saber, ao concreto, que benefícios cada ex-guerilheiro tem direito e que impacto tem a diferença de categorias dos beneficiarios do DDR no exército e os benefícios a receber.
Ainda durante o primeiro ano da implementação do DDR foram registados casos de ex-guerrilheiros já desmobilizados que ficaram alguns meses sem receber uma das tranches do respectivo subsídio. Mais ainda, é evidente a falta de informação e de clareza em relação a fase de reincersão dos desmobilizados. A previsão é que cada desmobilizado, depois de receber um ano de subsídio de desmobilizados, passa a receber uma pensão vitalícia.
A garantia do valor para pagamento da pensão, segundo o Secretário Geral da Renamo, André Magibiri, foi dada pelo representante do Secretário Geral da Nações Unidas, não sendo claro se as Nações Unidas pretende acompanhar o processo de forma vitalicia e se tal modelo é sustentável uma vez que até então o processo dependeu de doações que nem sempre foram disponibilizados de forma regular.