O académico moçambicano Severino Ngoenha, acredita que a corrida pelos recursos é a principal razão da guerra, no norte da província de Cabo Delgado, sublinhando não acreditar que a Total não tenha responsabilidades no que está a acontecer.
Falando recentemente em Maputo, num webinar organizado pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o filósofo Severino Ngoenha disse que não tem dúvidas que a guerra de Cabo Delgado é movida por interesses capitalistas, mais concretamente por aquilo que diz ser a “corrida pelos recursos”.
Apesar desta conclusão, Ngoenha não negligencia os outros três elementos, mas entende que, por si só, não são insuficientes para dar azo a um conflito da magnitude do que se assiste no norte de Moçambique. “Eu penso que o elemento ‘recursos’ é o elemento explicativo para o que está a acontecer em Moçambique. Esta é a minha tese, e continuo nela enquanto não tiver razões para pensar diferente. A corrida pelos recursos é estrategicamente mais forte.
Ela consegue utilizar os outros três elementos, as nossas dissidências históricas, as nossas discrepâncias sociais e a presença de um descontentamento interno em termos de prática do islão, para reorientar os interesses económicos na região a seu próprio favor”, fundamentou. O orador diz não entender quem, dentro e fora de portas, tira benefícios da situação, mas “não consigo pensar que a Total esteja completamente alheia e completamente sem responsabilidades no que está a acontecer em Moçambique”. Aponta para a existência de uma “teatralização”, atrás da qual alguma coisa foi pensada para tirar “um bem maior”, vincando que “não consigo imaginar que as multinacionais sejam incapazes de criar mecanismos de defesa para proteger os investimentos que fazem”. A explicação de Severino Ngoenha vai ao encontro da tese da “mão externa”, que é também defendida pelo Governo, mas não iliba as elites nacionais, por entender que o que está a acontecer em Cabo Delgado “tem, necessariamente, alguma parte de cumplicidade da parte interna do nosso Estado”, concluiu. O filósofo lembra que os interesses naquela zona não se cingem aos hidrocarbonetos, havendo outros recursos apetecíveis, para lá de negócios ilícitos, como o tráfico de drogas, para os quais é conveniente que a região seja um “espaço de conflito”.
Americanos entram e não saem
Com a mesma obsessão com que se procura explicar a guerra que grassa em Cabo Delgado, também se debate sobre quais seriam os melhores caminhos para pôr termo ao problema. Até agora, o Estado tem recorrido exclusivamente à via militar, opção que encontra explicação na ausência, do outro lado, de um interlocutor claro para possível diálogo. Ora, a opinião pública defende que as Forças de Defesa e Segurança não estão preparadas para fazer face ao terrorismo, tomando como exemplo as várias derrotas impingidas pelo grupo jihadista no Teatro Operacional Norte (TON). O assalto a Palma, coração dos mega projectos e, provavelmente, o distrito com maior contingente militar em Moçambique, dá consistência ao argumento. Severino Ngoenha subscreve a ideia e afirma que o nosso Exército foi se fragilizando ao longo dos tempos. “Tivemos a guerra dos 16 anos, que demonstrou que o nosso Exército, que nós consideramos vitorioso contra os portugueses, afinal de contas, não era tão forte quanto isso. Quando acabou essa guerra, os Acordos de Paz previam, entre outras coisas, desarmar o Exército nacional, o que quer dizer que ficou ainda mais fraco do que era durante os 16 anos”, explicou.
Apesar de reconhecer a incapacidade interna, o Reitor da Universidade Técnica de Moçambique (UDM) não vê com bons olhos uma eventual intervenção militar do ocidente. Assinala que “os americanos, onde entram não querem sair, a guerra do Japão acabou em 1945, a guerra na Europa acabou em 1945, e eles não querem sair”, alertou, lembrando o velho interesse dos Estados Unidos da América por Nacala.
Fonte: Dossiers & Factos