Vida renasce em Matchume
e comunidade reafirma esperança
Há pouco mais de uma década, quando Rita Simião, jovem mãe de 34 anos, decidiu fixar residência no bairro de Matchume, distrito de Boane, província de Maputo, a localidade ainda vivia às escuras. O projecto de electrificação rural ainda não havia chegado, mas o sonho de construir um lar falou mais alto. “Sabíamos que não havia energia, mas acreditávamos que o Governo, através da Electricidade de Moçambique (EDM), traria a luz até nós”, recorda Rita com um sorriso sereno.
Nos primeiros anos, as noites eram iluminadas por velas, e carregar um telemóvel exigia uma visita ao vizinho mais próximo, que possuía um pequeno painel solar. Com esforço e poupança, a família conseguiu adquirir o seu próprio painel, o que permitiu dar um passo importante: comprar um televisor e carregar os celulares em casa.
Contudo, o alívio foi temporário. “A potência do painel era fraca e avariava com frequência”, contou Rita.
O verdadeiro alívio chegou há dois meses, quando Matchume finalmente foi ligado à rede eléctrica nacional.
“Agora sim, temos energia! Posso carregar o telefone a qualquer hora, ver novelas e o telejornal sem interrupções”, disse, emocionada. O próximo sonho é adquirir um congelador para conservar frutos do mar e bebidas.
Com humor, Rita confessa um dos maiores prazeres da nova realidade: “Vou, finalmente, aposentar o ferro a carvão. Não era fácil. Agora posso engomar a roupa do meu marido e mantê-lo sempre apresentável para o trabalho.”

Enquanto a chuva miúda caía sobre o bairro, a nossa reportagem percorreu as ruas de Matchume e encontrou um cenário de mudança. Pequenos estabelecimentos comerciais florescem à beira da estrada, atraídos pela disponibilidade de energia eléctrica.
Num desses pontos, o movimento era intenso: jovens conversavam animadamente, consumindo bebidas geladas, e mulheres faziam compras de produtos frescos.
Lucas Albino, um dos moradores, aproveitava uma pausa no trabalho para refrescar-se com uma garrafa de água gelada. “A energia trouxe coisas boas. Agora posso comprar refrescos para as crianças e assistir futebol sem stress”, afirmou, visivelmente satisfeito.

A chegada da energia eléctrica transformou a rotina em Matchume. As noites tornaram-se mais seguras, os pequenos negócios ganharam força e o entusiasmo dos moradores é palpável.
Para Rita Simião e muitos outros, a luz que agora ilumina as casas simboliza mais do que conforto representa esperança, progresso e dignidade.
“Esta energia não é só luz. É vida nova para o nosso bairro”, resume Rita, com um brilho nos olhos que reflete o renascimento de Matchume.
Alegres e pedem alguns acertos

A população de Matchume vive um misto de alegria e preocupação. Depois de anos à espera da chegada da energia eléctrica, os moradores não escondem a satisfação de finalmente viver dias de luz e conforto. Contudo, pedem à Electricidade de Moçambique (EDM) uma intervenção urgente para resolver as constantes oscilações no fornecimento de energia.
Segundo os residentes, o serviço funciona bem durante as manhãs e parte da tarde, mas ao cair da noite surgem cortes e variações de corrente que chegam a deixar o bairro às escuras.
“À noite sofremos bastante. A energia fica muito fraca e às vezes apaga-se completamente. Mesmo assim, estamos felizes por ter luz, só queremos que esse problema seja resolvido”, contou Pedro Munguambe, morador de Matchume desde o ano 2000.
Munguambe foi um dos primeiros beneficiários da electrificação, há cerca de sete meses. Com a ligação feita, conseguiu adquirir um congelador e outros electrodomésticos. No entanto, lamenta que os equipamentos nem sempre funcionem como deviam, devido à instabilidade da corrente eléctrica.
“Temo que se estraguem com tanta oscilação”, lamentou.
Na mesma linha, Baptista Albino, jovem estudante do bairro, partilha a mesma preocupação. Ele apela à EDM para melhorar a distribuição da energia, pois as falhas nocturnas afectam o seu rendimento escolar.
“Entro às 13 horas na Escola Secundária da Mozal e chego tarde em casa, porque vou e volto a pé. Só tenho tempo para fazer os trabalhos de casa à noite, mas às vezes a energia vai-se e fico no escuro”, explicou.
Órfão de pai, Baptista vive com a mãe, a quem ajuda nas tarefas domésticas antes de ir à escola. Apesar das dificuldades, mostra-se grato pela mudança que a energia trouxe à sua vida.
“Mesmo com esses problemas, estou feliz. Posso ver filmes e ouvir música em casa, coisas que antes só sonhava fazer”, contou, entre risos, enquanto o som de uma batida animada ecoava pela sala da sua casa.
Órfão de pai, Baptista vive com a mãe, a quem ajuda nas tarefas domésticas antes de ir à escola. Apesar das dificuldades, mostra-se grato pela mudança que a energia trouxe à sua vida.
“Mesmo com esses problemas, estou feliz. Posso ver filmes e ouvir música em casa, coisas que antes só sonhava fazer”, contou, entre risos, enquanto o som de uma batida animada ecoava pela sala da sua casa.
Sistemas digitais aproximam Matchume da modernidade
Com a implementação de sistemas de compra mais acessíveis e eficientes, os moradores de Matchume afirmam estar cada vez mais satisfeitos com a facilidade de adquirir energia eléctrica.
Hoje, através dos telefones móveis e plataformas como o M-Pesa, a aquisição de energia tornou-se um processo rápido, prático e sem necessidade de deslocamento até uma loja física ou agente autorizado. A compra é instantânea e o crédito é disponibilizado de imediato.
“Compramos energia usando o telefone. É simples e sem complicações. Não há problemas de sistema”, contou Rita Simão, que destaca as vantagens da digitalização. “Não é fácil tomar transporte de Matchume até à vila de Boane, por isso esta facilidade faz toda a diferença.”
Além da conveniência, Rita elogia o facto de os sistemas digitais emitirem comprovativos automáticos e reduzirem erros humanos nas transações.
Os moradores também realçam que a EDM tem melhorado a comunicação com os clientes, enviando alertas sobre campanhas promocionais, cortes programados e actualizações de serviço, o que reforça a confiança e a sensação de modernidade no bairro.
Expansão decorre no âmbito da segunda fase do projecto Pro-Energia

O bairro de Matchume, no distrito de Boane, é um dos contemplados na segunda fase do Projecto Pro-Energia, iniciativa que visa expandir o acesso à energia eléctrica nas zonas rurais e periurbanas do país.
Os trabalhos de expansão da rede iniciaram no ano passado e foram concluídos no princípio deste ano, com a instalação de quatro Postos de Transformação (PTs). Nesta etapa, as ligações domiciliárias estão a ser realizadas de forma gradual, à medida que as solicitações são submetidas, conforme explicou o director da Electricidade de Moçambique (EDM) na Vila Municipal de Boane, Círio Muarapaz.
“Em cada um dos postos de transformação foram ligadas entre 50 e 70 famílias, o que nos permite projectar uma cobertura superior a 200 famílias. Para já, mais de metade já se encontra ligada, e as restantes aguardam a chegada de materiais para a conclusão das ligações”, afirmou.
Durante a reportagem, vários moradores manifestaram preocupação com a oscilação da corrente eléctrica, sobretudo à noite. Questionado sobre o assunto, o director da EDM explicou que parte dos problemas está relacionada com ligações irregulares feitas por alguns residentes durante o processo de electrificação.
“Há uma pequena zona de Matchume onde, por pressa, algumas pessoas adquiriram material por conta própria e fizeram ampliações indevidas. O projecto foi concebido para usar PTs de 75 kVA, com redes de baixa tensão até meio quilómetro. Quando essa distância é ultrapassada, começam a ocorrer quedas de tensão”, detalhou Muarapaz.
Segundo ele, apesar dos alertas da EDM, algumas famílias estenderam cabos por distâncias superiores a 100 metros, o que sobrecarrega os transformadores e provoca falhas no fornecimento.
Temos feito um trabalho de engajamento comunitário, sensibilizando os moradores sobre os riscos dessas práticas. Já desligámos várias ligações irregulares, mas infelizmente a situação repete-se. Quando um PT avaria, não é algo que se resolva de um dia para o outro, e todo o bairro fica sem energia até à substituição do equipamento”, explicou.
Conflitos pós-eleitorais comprometeram o ritmo das obras
A execução do Projecto Pro-Energia em Boane não ficou imune aos desafios do contexto nacional. O director da EDM reconhece que factores externos, como os conflitos pós-eleitorais e a escassez de divisas, afectaram o cumprimento do cronograma de trabalho.
“Em condições normais, quando entramos num bairro, o ideal seria concluir a obra antes de passar a outro. Mas desde o início do ano enfrentámos dificuldades — primeiro com manifestações, depois com a falta de divisas — o que atrasou a entrega dos materiais e, consequentemente, das ligações”, explicou Muarapaz.
O projecto é do tipo “chave na mão”, ou seja, o empreiteiro é responsável pela compra e instalação dos materiais. Quando há atrasos na importação, as obras ficam suspensas.
“O empreiteiro tem tido dificuldades no processo de importação, uma vez que o material é adquirido fora do país. Enquanto o problema das divisas não se resolver, esses constrangimentos vão persistir. Mas cada vez que há desbloqueio, o material chega e as equipas retomam de imediato as actividades no terreno”, garantiu.
Ainda assim, o balanço do último ano é considerado positivo.
“No ano passado conseguimos avançar bastante. Dos cerca de nove bairros abrangidos pelo projecto, apenas dois ainda não têm clientes ligados.
Nos restantes, mesmo com as obras ainda em curso, já temos uma boa parte da população ligada à rede nacional. Infelizmente, as tensões políticas no início deste ano reduziram o ritmo, mas os primeiros meses foram de grande velocidade”, concluiu o director.
EDM aposta no reforço da rede e combate ao vandalismo

O desafio da Electricidade de Moçambique (EDM) não se resume à expansão da rede eléctrica. A empresa enfrenta, também, a missão de melhorar a qualidade do fornecimento nas zonas já electrificadas, onde o aumento da procura tem colocado pressão sobre as infra-estruturas existentes.
Segundo o director da EDM na Vila Municipal de Boane, Círio Muarapaz, garantir energia de qualidade requer planeamento rigoroso e investimentos constantes.
“Há pessoas que já têm energia há muito tempo, mas com o crescimento do consumo, a qualidade tende a diminuir. Por isso, uma das nossas principais missões é realizar obras de reforço e modernização das redes, assegurando um fornecimento estável e seguro”, explicou.
Muarapaz esclareceu que, como empresa pública, a EDM depende de recursos limitados, o que obriga à definição de prioridades.
“Todos os anos elaboramos o plano de actividades e o orçamento para o exercício seguinte. Temos uma lista de bairros com necessidades, mas o orçamento não cobre tudo. Então, definimos o que avança primeiro e o que fica para depois”, detalhou.
Entre os maiores obstáculos à melhoria da rede eléctrica estão os roubos e actos de vandalismo que afectam cabos, transformadores e quadros eléctricos.
“Os ladrões visam principalmente os cabos de cobre, devido ao seu valor no mercado. Para mitigar, deixámos de adquirir esse tipo de material e passámos a usar cabos de alumínio, que têm baixo valor de revenda”, disse Muarapaz.
Em muitos casos, os infractores só percebem que o material não tem valor após cortá-lo-lo acabando por abandoná-lo no local. Ainda assim, os prejuízos são significativos.
“Já registámos casos de roubo de óleo de transformadores, sem sequer sabermos o destino dado a esse produto. Essas acções causam atrasos em outros projectos, porque o material destinado a novas ligações precisa ser redirecionado para reposições”, acrescentou.
A EDM também enfrenta o desafio do roubo de energia eléctrica, situação que vem sendo combatida com a introdução de novos contadores inteligentes e a transferência dos medidores do interior das casas para os postos de medição externos, reduzindo assim as possibilidades de manipulação.
“Essa medida tem dado bons resultados. O nível de fraude reduziu consideravelmente, embora ainda existam casos isolados”, sublinhou o director.
Boane aposta na parceria com a EDM para acelerar ligações
O MUNICÍPIO de Boane conta actualmente com 33 bairros, dos quais oito já estão parcialmente electrificados até Setembro de 2025, embora nem todos os quarteirões estejam cobertos.
Entre os bairros contemplados destacam-se: José Estocolgar, com cerca de dois quarteirões conectados; Ambrósio, com três quarteirões já electrificados; Macombo e Matchume, com energia disponível na maioria das residências;
Chipapa, com rede de média tensão em construção, e entre um e dois quarteirões já ligados;
Alene e Muteve, que também já têm acesso à energia.
Por outro lado, o bairro Saldanha ainda aguarda ligação, dependente da construção da rede de média tensão entre Drifo, Mazambanil e Maubo 25, com previsão de electrificação para 2026.
A presidente do município de Boane, Geraldina Bonifácio, reconhece que, apesar dos progressos, a cobertura continua limitada e enfrenta problemas de sobrecarga em postos de transformação (PTs), agravados pelo crescimento populacional.
Para minimizar os constrangimentos, o município está a adquirir mais de mil novos postes para reforçar e expandir a rede eléctrica, apoiando directamente o trabalho da EDM.
“Esta iniciativa demonstra o nosso compromisso em garantir serviços básicos de qualidade. O objectivo é tornar Boane um município mais moderno, resiliente e inclusivo”, afirmou a presidente.
