O grupo Talibã garante que irá respeitar os direitos das mulheres, com acesso à educação e ao trabalho, mas com a obrigatoriedade do uso do hijab, lenço que cobre os cabelos e rosto.
Em comunicado de imprensa divulgado hoje (15 de Agosto), o grupo Talibã assegura que está a negociar com o governo afegão, ao mesmo tempo que o ministro do interior diz que haverá uma transferência pacífica de poder para um governo de transição.
Por sua vez, os combatentes dizem que vão permitir a passagem de civis que queiram deixar o país.
O Talibã chegou hoje (15 de Agosto) aos arredores de Cabul e cercou a capital afegã por várias frentes, segundo informações avançadas pelo Ministério do Interior do Afeganistão. O grupo defende uma rendição pacífica do governo afegão.
O gabinete da presidência do Afeganistão afirmou que disparos foram ouvidos em algumas partes de Cabul, mas tranquilizou a população e declarou que a situação está sob controle das forças de segurança.
Já o ministro do Interior, Abdul Sattar Mirzakwal, gravou um vídeo em que garante uma transferência pacífica de poder. “Os afegãos não precisam se preocupar, não haverá ataques. Haverá uma transferência pacifica de poder para um governo de transição”, disse o Ministro.
Suhail Shaheen, porta-voz do Talibã, fez um apelo ao presidente Ashraf Ghani e a outros líderes para que atuem também em uma “transição pacífica de poder” para o grupo extremista islâmico.
“Nossa liderança instruiu nossas forças a permanecerem nos portões de Cabul, não a entrar na cidade”, disse o porta-voz em uma entrevista à BBC. “Estamos aguardando uma transferência pacífica de poder.”
Shaheen já vem anunciando o que pode ser considerado uma série de “medidas de governo”, mesmo sem o reconhecimento oficial, como o respeito à imprensa, à diplomacia e a autorização para que mulheres possam deixar suas casas sozinhas. “Asseguramos às pessoas, especialmente na cidade de Cabul, que suas propriedades e suas vidas estão seguras”, disse o porta-voz.
Direitos das mulheres
Quando o Talibã governou o Afeganistão pela última vez, de 1996 a 2001, as mulheres não podiam trabalhar, as meninas não podiam frequentar a escola e todas tinham que cobrir o rosto e estar acompanhadas por um parente do sexo masculino se quisessem sair de casa.
As mulheres que infringissem as regras às vezes sofriam humilhações e espancamentos públicos pela polícia religiosa do Talibã que atuava sob uma interpretação bastante rígida da sharia, a lei islâmica.
Desta vez, no entanto, porta-vozes do grupo garantem que irão respeitar os direitos das mulheres, com acesso à educação e ao trabalho – mas com a obrigatoriedade do uso do hijab, lenço que cobre os cabelos e rosto.
Eles também afirmaram que as mulheres terão autorização para saírem das suas casas sem a companhia de um membro homem da família. Essa mudança no discurso vem sendo apontada por especialistas em Oriente Médio como uma forma do movimento se aproximar da comunidade internacional.
Saída de diplomatas
Os diplomatas norte-americanos que trabalharam na embaixada em Cabul começaram a deixar o Afeganistão neste domingo. O Reino Unido ordenou a saída imediata de cidadãos britânicos das cidades afegãs.
O governo da Alemanha enviou aviões para ajudar na retirada de seus diplomatas, fechou sua embaixada em Cabul e pediu a saída imediata de alemães que vivam no país.
Segundo reportagem do jornal “Bild”, tradutores e colaboradores afegãos que atuaram com o governo de Berlim também serão retirados da capital.
O cerco do Talibã Cabul ocorre 20 anos depois de o grupo ser expulso da capital afegã pelos Estados Unidos, que invadiram o país dias após os ataques de 11 de setembro de 2001, e em meio à retirada dos militares norte-americanos do país.
Em abril, o presidente Joe Biden havia anunciado que todos deixariam o Afeganistão até 11 de setembro deste ano.
O Talibã avançou rapidamente depois de que a maior parte das forças lideradas pelos EUA deixaram o país em julho, e a chegada do grupo terrorista a Cabul ocorre antes do previsto pelas autoridades norte-americanas.
Segundo a agência de notícias Reuters, a estimativa dos serviços de inteligência norte-americanos era que o Talibã isolaria a capital em setembro, e que uma eventual tomada do poder ocorreria apenas em Novembro.
Entretanto, o grupo Talibã lembra à população que não têm “qualquer intenção de se vingar de ninguém”, incluindo daqueles que serviram no exército, na polícia ou na administração: “Estão perdoados e a salvo, ninguém será objeto de represálias. Todos devem ficar no seu próprio país, na sua própria casa, e não tentar deixar o país”, acrescentaram.
A perseguição levada a cabo pelos talibãs aumentou a pressão sobre a população para tentar encontrar uma saída de emergência, face ao risco iminente da tomada de controlo da cidade, um medo que paira entre funcionários públicos, académicos, jornalistas e especialmente aqueles que trabalharam com qualquer um dos países que enviaram tropas para o Afeganistão para combater os insurgentes.
O governo dos EUA disse no início deste mês que estava já a processar cerca de 20.000 pedidos de visto de afegãos que ajudaram os seus soldados, juntamente com as suas famílias, o que acrescenta pelo menos mais 50.000 pessoas.
Este fim de semana, grande parte dos 4.000 militares norte-americanos que o Pentágono decidiu enviar para a capital afegã para retirar a maioria do pessoal da embaixada dos EUA e cidadãos afegãos deverá chegar a Cabul.
As autoridades russas não preveem evacuar a sua embaixada em Cabul, adiantou um responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, citado pela agência Interfax.
Avanço dos talibãs era previsível
O major-general Carlos Branco, ex-porta-voz da ISAF no Afeganistão, disse hoje (16 de Agosto) à Lusa que o avanço das forças talibãs em vários pontos do país já era previsível em virtude da retirada negociada dos militares norte-americanos
“O que está a acontecer agora é um avanço militar dos talibãs que era previsível. Aliás, altas entidades militares dos Estados Unidos já tinham manifestado em diversas ocasiões que as forças de segurança afegãs não estavam em condições para confrontar de forma vitoriosa os talibãs”, disse à Lusa o major-general Carlos Branco, sublinhando que a retirada devia ter ocorrido após a primeira década do conflito.
“Tudo o que está a acontecer agora, do meu ponto de vista, não é novidade. Mas, se tudo isto poderia ter sido evitado? Claro que podia se os norte-americanos, na devida altura se tivessem empenhado em promover um diálogo intra-afegão e isso não aconteceu nem foi estimulado porque os norte-americanos estavam convencidos que iriam conseguir sempre uma vitória militar”, afirmou.
Na análise do ex-porta-voz da International Security Assistance Force (ISAF) a retirada dos Estados Unidos não é desorganizada e foi planeada com antecedência apesar de se terem verificado momentos de descoordenação, nomeadamente a saída de Baghran, que foi coordenada pelas forças afegãs.
Por outro lado, frisa, os acordos para a retirada dos Estados Unidos foram assinados em Fevereiro de 2020 e que, por isso, houve muito tempo para fazer o planeamento sendo que toda a operação decorreu segundo um plano previamente estabelecido.
Tratou-se, desta forma de uma retirada das forças norte-americanas e de outros contingentes, nomeadamente, a retirada do contingente inglês que fez a passagem de testemunho com bastante antecedência.
Mesmo assim, o major-general Carlos Branco refere que os Estados Unidos “jogaram sempre de forma errada” porque pretendiam uma solução militar e não uma solução política e sobre esta questão levanta dois aspectos.
“Uma é a solução política entre os Estados Unidos e os talibãs que foi o que aconteceu e o que no fundo o que Washington fez foi negociar os termos de uma saída, com uma série de condições, sobretudo no que diz respeito ao comportamento dos talibãs como o de não aceitar a entrada de elementos da Al-Qaeda ou de qualquer outra organização terrorista. Outra coisa foi a solução política entre os afegãos e isto foi difícil”, explica.
Do ponto de vista mundial, indica que “há coisas muito mais perigosas actualmente em termos de segurança global” do que o Afeganistão mas sublinha que do ponto de vista geoestratégico é uma derrota para os Estados Unidos porque os norte-americanos pretendiam levar a cabo um plano de hegemonia global.
O Afeganistão é uma porta de entrada na Ásia Central e é uma fonte inesgotável de recursos minerais: petróleo e gás natural cujos oleodutos e gasodutos são controlados na maioria dos casos pela Federação Russa.
O Afeganistão – se existissem condições securitárias- seria uma possibilidade capaz de canalizar o gás e o petróleo através do Paquistão para portos no Índico e deste ponto de vista, nota, sublinhando que “é uma derrota para os Estados Unidos” porque Washington acaba por perder influência política, económica, militar e cultural na Ásia Central.
“Isto não se concretizou, sobretudo do ponto de vista militar em que as bases que tinham no Tajiquistão, Uzbequistão, Quirguistão, nesta altura não as têm. A Federação Russa e a República Popular da China que viram sempre com muita apreensão a presença norte-americana naquela zona conseguiram exercer uma diplomacia de persuasão para que as ex-repúblicas soviéticas na Ásia Central não alinhassem com os Estados Unidos”, recorda. (RM /Minuto/Reuters/Zebra)