O Provedor da Justiça, Isac Chande, considera que os problemas da violência sexual contra a mulher não começam no Centro de Formação da PRM de Malatane, eles, já ocorrem, desde o processo de recrutamento das instruendas, por isso, o que se assiste em Malatane é a continuação de um problema ignorado e não resolvido.
Para o Provedor da Justiça, se, por hipótese, a instruenda para ingressar no curso teve de prestar favores sexuais, não admira, que volte a prestá-los, durante a formação. “Portanto, o processo de violência sexual pode nalguns casos ser anterior ao ingresso no centro de formação”, conclui Isac Chande.
O Provedor falava semana passada, a partir da Cidade de Maputo, numa conferência intitulada “Diálogo Nacional sobre Mulher, Paz e Segurança: Da Protecção Social à Exploração Sexual de Mulheres em Moçambique, organizada pela associação Mulheres Líderes de Moçambique.
Coube ao provedor apresentar o tema: De Matalane à Nddlavela-Das causas aos desafios da proteção social e responsabilização aos Infractores e arrola cinco causas que no seu entender estão por detrás da violação sexual de mulheres naquelas duas instituições.
São elas as causas, a erosão generalizada de valores morais no seio da sociedade; a ideia generalizada e tolerada do cabritismo ou seja a ideia de que o cabrito come onde está amarrado; a ausência de integridade e honestidade em muitos servidores públicos; a fragilidade das instituições e a manifesta impunidade dos infractores.
Para o provedor, o tema Matalane e Ndlavela é muito profundo do que parece ser à primeira vista e, assegura que não é por falta de leis e regulamentos que estas situações acontecem, mas porque não há, por vezes, uma actuação tempestiva e exemplar quando alguém pisa na linha.
“Aliás, a natureza da instituição policial aqui e noutros quadrantes impõe regras muito exigentes. O mesmo pode-se, dizer do SERNAP, por se tratar de uma força paramilitar. Então, não tenhamos dúvidas, Matalane e Ndavela não resultaram da ausência de regulamentos, mas sim, do seu incumprimento”, disse Isac Chande.
O escândalo sexual de Ndlavela envolveu guardas prisionais que obrigavam reclusas a prostituírem-se em troca de valores monetários. A denúncia foi feita em Junho último, pelo Centro de Integridade Pública (CIP), numa investigação que durou seis meses.
Em relação ao escândalo de Matalane, que se deu em 2020, quando 15 raparigas foram engravidadas no Centro de Formação de Matalane., provando que homens adultos, com responsabilidades de Estado, instrutores e, mais grave, chefes de famílias, violaram sexualmente de forma sistemática raparigas instruendas.
Esta situação, causou revolta no seio das organizações da sociedade civil, que consideraram que estas meninas, são a face visível deste escândalo porque engravidaram, mas seguramente haverá as que não fazem parte da estatística de gravidezes e que também foram abusadas e humilhadas.
Segundo o provedor, as mulheres são duplamente abusadas, o que contrasta com as políticas públicas de igualdade do género e do empoderamento da mulher. “Para mim, enquanto, não removermos as causas, não teremos como erradicar estes problemas, que afectam de forma, particularmente intensa as mulheres, e, porque, não as crianças?”, questiona, para depois acrescentar que infelizmente, também, se registam casos de violência sexual nas nossas escolas.
Desafios da protecção social e responsabilidade dos infractores
Sobre os desafios da protecção social e responsabilização dos infractores, Isac Chande referiu-se a onda de repúdio manifestada por diferentes actores sociais, incluindo organizações da sociedade civil e a Comissão Nacional de Direitos Humanos.
Com relação às entidades públicas, destacou a manifestação de condenação do Presidente da República quando pronunciando-se, sobre o caso de Malatane, afirmando que, “ o Estado não deve, nem vai tolerar situações como esta. A lei deverá ser cumprida e ela é igual para todos nós. Ninguém, está acima da lei”.
Segundo Isac Chande, no cômputo geral, a sociedade além de mostrar a sua indignação, exigiu que os infractores fossem responsabilizados. Na sua opinião, a indignação da sociedade, perante situações do género é o primeiro passo para a protecção social das pessoas que se encontram nesta situação.
Prossegue o provedor que, havendo indignação da sociedade, as vítimas, sentir-se-ão, protegidas. Por outro lado, a indignação da sociedade é um elemento de pressão sobre quem tem que investigar e responsabilizar os autores. “Não basta, a mera indignação é importante, que se exija às autoridades competentes para que investiguem”, acrescenta, salientando a importância do papel das organizações da sociedade civil e das instituições públicas que zelam pela promoção e protecção dos direitos humanos.
Para o Provedor da Justiça, é indiscutivelmente importante, que os infractores sejam responsabilizados pelos seus actos quer seja por via disciplinar, quer seja, por via criminal. As sanções disciplinares e as penas criminais, além do efeito repressivo sobre o agente da infracção funcionam como um mecanismo de prevenção geral, o que pode contribuir para a mitigação destes fenómenos nas nossas instituições.
Defende que se deve colocar à disposição das pessoas em situação de reclusão, mecanismos céleres e apropriados de denúncia, quer seja através delas próprias, quer seja através dos seus familiares.
Em jeito de conclusão, Isac Chande afirmou que os desafios são enormes, pois, a alteração da presente situação, requer uma profunda transformação das mentalidades, porquanto, só atacando a raiz do problema, pode-se sonhar com a erradicação ou mitigação da violência contra a mulher.