Mesmo assim deu a possibilidade à PGR de Moçambique de tentar novamente aceder aos documentos necessários e providenciá-los às restantes partes envolvidas.
Um juiz britânico admitiu ontem, (03 de Março), anular o caso das dívidas ocultas em curso no Tribunal Comercial de Londres devido ao incumprimento de Moçambique na partilha de documentos relevantes na preparação para o julgamento em outubro.
Num parecer lido nesta última sexta-feira, o juiz Robin Knowles criticou a falta de envolvimento dos advogados britânicos que representam a República de Moçambique no processo de seleção de documentos oficiais e urgiu a Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana a providenciar maior acesso.
“A República de Moçambique não está a cumprir com as obrigações de divulgação, em especial com documentos detidos pelo gabinete do Presidente da República, pelo SISE (Serviços de Informação e Segurança do Estado) e pelo Conselho de Estado”, disse, durante uma audiência preliminar.
Segundo o magistrado, citado pela Agência Lusa, estes organismos estatais não permitiram nem à PGR nem aos advogados britânicos qualquer acesso para selecionar eventuais documentos relevantes.
A divulgação de provas documentais por todas as partes, vincou o juiz, é essencial para “garantir a justiça do julgamento” e de uma decisão final.
“Se precisar de exercer o meu poder de anulação para garantir o cumprimento das obrigações da República e deveres de divulgação, fá-lo-ei porque é o meu dever para garantir a justiça do julgamento”, vincou.
O magistrado disse que vai reservar o direito de anular o caso a qualquer momento, mas mesmo assim deu a possibilidade à PGR de Moçambique de tentar novamente aceder aos documentos necessários e providenciá-los às restantes partes envolvidas.
O Tribunal Comercial, que faz parte do Tribunal Superior de Londres, tem programado para começar em 03 de outubro deste ano, o julgamento principal sobre a validade das dívidas.
Na origem está uma ação judicial iniciada pela PGR em nome da República de Moçambique contra o Credit Suisse e a Prinvinvest para tentar cancelar parte dos mais de 2.700 milhões de dólares (2.600 milhões de euros) de dívida contraída entre 2013 e 2014 por empresas públicas para comprar barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo moçambicano liderado então pelo presidente Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo, o que levou à denominação de “dívidas ocultas”.
No processo estão nomeados vários altos funcionários públicos e figuras de Estado, como Armando Guebuza, o antigo ministro das Finanças, Manuel Chang – detido na África do Sul – e o atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que na altura era ministro da Defesa.
Num julgamento relativo ao mesmo caso que foi concluído em dezembro em Maputo, 11 dos 19 arguidos foram condenados a prisão (10 a 12 anos), e três deles terão de pagar uma indemnização ao Estado equivalente a 2,6 mil milhões de euros.
A lista dos condenados
Foram condenados em Dezembro de 2022, 11 dos 19 arguidos relacionados com o caso, nomeadamente:
1 – António Carlos do Rosário condenado a 12 anos de prisão;
2 – Gregório Leão condenado a 12 anos;
3 – Ângela Leão condenada a 11 anos;
4 – Fabião Mabunda condenado a 11 anos de prisão maior e multa de 64.800 meticais;
5 – Armando Ndambi Guebuza condenado a pena de 12 anos de.prisão e a uma multa de 162 mil meticais de multa;
6 – Teófilo Nhangumele foi condenado a 12 anos de prisão maior e multa de 162 mil Meticais;
7 – Bruno Langa foi condenado a 12 anos de prisão e multa de 252 mil Meticais;
8 – Cipriano Mutota condenado a 10 anos de prisão e multa de 32.400 meticais;
9 – Maria Inês Dove foi condenada a 11 anos de prisão e 36 mil meticais;
10 – Sérgio Namburete foi condenado a 11 anos de prisão e 32.400 meticais de multa;
11 – Manuel Renato Matusse foi condenado a 12 anos e a uma multa de 35.100 meticais de multa.
Foram absolvidos oito, nomeadamente:
Cidónio Sitoe;
Elias Moiane;
Zulficar Hamad;
Mbanda Henning;
Crimildo Manjate;
Khessaujee Pulshand;
Simione Mahumane e
Naimo Quimbine.
Entretanto, o juiz da causa, Efigénia Baptista, justificou a razão de ter aplicado penas que para a sociedade podem ser entendidas como brandas. Explicou que se trata de penas máximas possíveis e que resultam de alterações no Código Penal havidas em 2014 e 2019.
Disse que o Código Penal de 2019 apresenta erros graves para o crime de peculato que punia este crime de 12 a 16 anos, isto em 1886.
Explicou o juiz que em 1976 estas penas foram agravadas para 20 a 24 anos. Porem, em 2019 o legislador mudou novamente e não pôs na lei qual a moldura penal para este crime.
Porque não está enumerados na lei como vinha no código de 1886, o juiz não pode adivinhar e entende que devia estar escrito com clareza. “A interpretação deve ser feita com base na enumeração”.
Disse ainda que as agravantes do novo código foram suprimidas e o juiz não sabe qual é o raciocínio, uma vez que presentemente se comete muito mais o crime de peculato e, entretanto, o Código Penal não especifica como condena-los.
Fonte: Agência Lusa
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