Ana Rita Sthole é um nome proeminente que dispensa apresentação na política moçambicana. Fez parte dos primeiros deputados do primeiro parlamento multipa tidário, em 1994, e é membro da FRELIMO desde 1977. Completou 30 anos consecutivos no parlamento, tendo sido membro da Comissão Permanente desde 1994 até a sua reforma, ocorrida este ano. Professora e mestre em educação, Ana Rita faz parte da geração 8 de Março. Foi membro do Comité Central desde o 7º congresso até o 12º Congresso e membro da Comissão Política, eleita no 11º Congresso, tendo cessado as funções cinco anos depois. A antiga deputada, defende que é preciso profissionalizar o parlamento, mas, ao mesmo tempo, reconhece o paradoxo, pois, uma das questões que se coloca frequentemente é: “este já comeu muito, chega”. Diante disso, como falar de profissionalização? Questiona e lamenta que, hoje, há uma ideia de que a Assembleia da República é um espaço para fazer dinheiro. A antiga deputada faz um balanço positivo dos 50 anos da independência. Sobre o Compromisso Político para um Diálogo Nacional Inclusivo, Sithole acredita que se vai repensar na Lei Eleitoral. “Para mim, são dois temas que devem ser discutidos neste compromisso: a Consti tuição da República – pois mexendo na Lei Mãe mexeremos no sistema – e, se concluirmos que é necessário alterar o sistema, seremos obrigados a rever também as directivas eleitorais, para definir quem deve, efectivamente, representar-nos na Assembleia da República. Sem sombra de dúvidas, Ana Rita, viúva de Alberto Sithole, que foi membro influente da FRELIMO e combatente da Luta Armada, é uma voz legítima e autorizada para falar do percurso político e social do país nos últimos 50 anos. Segue-se a entrevista.
O que significa para Dra. Ana Rita celebrar 50 anos de independência, sobretudo para quem viveu um pouco o periodo colonial?
É um privilégio. Como jovem, fiz parte da geração 8 de Março, mas antes fui formadora de Alfabetização e Educação de Adultos, em reposta a um convite que recebi para alfabetizar militares no Ministério da Defesa, uma vez que muitos não liam e nem falavam português. Posso dizer que essa actividade marcou o início da minha carreira política, mas também foi por essa via que conheci e casei-me com um dos dirigentes da FRELIMO, o pai dos meus filhos, Alberto Sithole. No Ministério da Defesa, tive o privilégio de conhecer todos os “famosos da FRELIMO”, incluindo o Presidente Samora Machel, de quem ouvia os seus assobios quase todos os dias, o General Marcos Mabote, Sérgio Vieira, Óscar Monteiro, Mariano Matsinhe e outros. Quando houve aquela decisão histórica de 8 de Março de 1977, tive o privilégio de ser reorientada para o ensino, uma vez que já era alfabetizadora. Fui, então, fazer o curso de ensino intensivo na Universidade Eduardo Mondlane, concretamente o curso de Quimica e física.
Como é que a Dra. Ana Rita viveu o dia da Independência Nacional, em 1975?
Todo o jovem gosta de novidades, no próprio dia 25 de Junho fui ao Estado da Machava, saí com outros jovens, de machimbombo até o bairro do Jardim e, de lá fomos andando a pé, a cantarmos até ao Estádio da Machava. Lembro-me que estava a chuvescar, mas continuamos a caminhar. Ali não contava a autorização dos pais, a emoção era tanta que todos queriamos participar daquele momento histórico e único.
Que ideia é que tinha da inde pendência?
Olha, a independência para todo o jovem era como uma luz e liberdade. No lar feminino onde eu vivia por exemplo, em 1975, eramos apenas três negras, eu de Inhambane, uma de Gaza, a Dra. Ana Mussanhana, e a Dra. Rosa Moreno, que era do norte. Com a independência, o lar passou a receber muitas meninas negras.
“30 anos no parlamento foi fruto do meu trabalho”
Quais foram os momentos mais marcantes da Assembleia da República de 1994 a 2024?
Olha, quem faz a Assembleia da República são os deputados, são as bancadas. Durante os primeiros 10 anos não foi fácil trabalhar, era um parlamento bipolar, com a FRELIMO e a RENAMO. Passámos por um processo de conhecimento múntuo, uma vez que havia muita desconfiança. Conseguimos aprovar alguns instrumentos, mas tudo tinha de ser feito na base de entendimento entre as duas bancadas. Realizavam-se revisões pontuais da Constituição da República, muitas delas destinadas a acomodar o líder da RENAMO, Afonso Dhlakaama. Nessa altura, tudo o que vinha da FRELIMO era desqualificado e, quando se esgotavam os argumentos, passava-se aos insultos. Mas, a partir do terceiro mandato, começámos a ter abertura entre nós. Já tínhamos o Gabinete da Mulher parlamentar, cuja sua criação também não foi fácil. É um facto que, no seio da própria FRELIMO, haviam pessoas intolerantes, e tivemos de trabalhar com elas para que entendessem que os tempos tinham mudado. Sinto-me feliz, porque crescemos muito.
Acredita num parlamento forte, que discute os problemas do país sem amaras políticas?
Antes de mais, quero aplaudir bastante o facto da direccão da FRELIMO ter mantido uma figura feminina na presidência da As sembleia da República, a Dra. Margarida Ta lapa, que sucedeu à Dra. Esperança Bias, por sua vez sucessora da Dra. Verónica Macamo. Tenho plena confiança no trabalho da actual Presidente, que conseguiu fazer aprovar os instrumentos de governação quase por consenso, com os votos da FRELIMO e de mais uma bancada da oposição. Refiro-me a estes aspectos porque, ao contrário do que muitos pensam, não é um processo simples. Trata-se de um trabalho árduo, e penso que esses resultados refletem claramente a mão da Presidente da Assembleia na gestão das emoções e negociações entre as chefias das bancadas. O que foi alcançado é de louvar, pois, a estabilidade democrática de Moçambique constrói-se na Assembleia da República.
A percepção que se tem cá fora é de que o parlamento moçambicano não funciona, nem se quer consegue produzir leis. A Dra. Ana Rita está a dizer que esta per cepção não é real?
Não é real. Temos muitos projectos de iniciativa das bancadas parlamentares, uma vez que, segundo a lei, a iniciativa legislativa cabe ao Presidente da República, ao Governo e aos deputados e através das bancadas, têm apresentado muitos projectos de lei. Aquilo que vem de fora chama-se proposta de lei, mas há muitos projectos de lei aprovados. Mesmo aquelas propostas que vêm do Governo raramente são aprovadas como chegam; são bastante trabalhadas. É por isso que, por vezes, pedimos que certas matérias não sejam ainda agendadas, por estarem a ser trabalhadas, como é o caso da Lei de Imprensa, que ali permanece há bastante tempo. Isto demonstra que nem tudo o que vem do Governo é carimbado. Outro exemplo é o projecto de lei sobre transplantes, da autoria do Ministério da Saúde, que também se encontra em fase de estudo, porque os deputados sentiram necessidade de aprofundar alguns aspectos. Dada a sua sensibilidade, esta matéria dividiu os deputados e, quando não há consenso, é difícil o projecto ter pernas para andar. O Plano Estratégico da Assembleia da República está também quase há 10 anos a espera de aprovação. Reclama-se que aqueles deputados não fazem nada, mas fazem na medida das suas capacidades. Um deputado, em condições normais, precisa de assessoria em várias matérias, pois, não é possível que todos tenham formação em todas as áreas. E não nos esqueçamos de que somos um sistema de governação semi-presidencialista e de que somos eleitos por via de lista, o que significa que são os partidos que concorrem ou grupos de cidadãos eleitores, não um indivíduo.
A Dra. Ana Rita está a defender a necessidade da profissionalização do parlamento?
É preciso profissionalizar o parlamento, mas é um paradoxo, porque uma das questões que se colocava na altura, era: “Este já comeu muito, chega”. Então, como falar de profissionalização? Há parlamentos onde as pessoas fazem uma vida, e eu já estava num nível de assunção de agenda parlamentar, inclusive a nível internacional. Eu já presidi uma assembleia com 800 deputados, composta por 74 países da ACP e 27 da União Europeia- Assembleia Parlamentar Paritária da Organização dos Estados da ACP e União Europeia, onde a sessão é dirigida em inglês ou francês. Mas, infelizmente, ultimamente há uma ideia de se olhar para Assembleia da República como um lugar para fazer dinheiro, e eu acho isso muita ‘piada’.
A sua reforma é reflexo desse paradoxo?
Como disse, as pessoas olham para o parlamento no contexto de que é para ganhar dinheiro, para melhorar a vida. Mais uma vez, lamento, mas digo que é bom que entrem, porque se eu continuar lá, nunca vão entender o real papel do parlamento. No entanto, a culpa está no nosso sistema eleitoral, que não dá primazia à especialização e à profissionalização. Acredito que, em algum momento, teremos de tomar decisões melhores. Agora criou-se o Compromisso Político para um Diálogo Nacional Inclusivo, e acredito que se poderá repensar na Lei Eleitoral. Para mim, são dois temas que devem ser discutidos neste compromisso: a Constituição da República – pois mexendo na Lei Mãe mexeremos no sistema e, se concluirmos que é necessário alterar o sistema, seremos obrigados a rever também as directivas eleitorais, para definir quem deve, efectivamente, representar-nos na Assembleia da República.
A Dra. Ana Rita acha que a direcção do partido podia ter evitado a saída de algumas figuras parlamentares, que até certo ponto contribuíram bastante com o seu saber e experiência, como foi o seu caso?
A direção do Partido, querendo, podia ter corrigido essa situação.
Fala-se, nos bastidores, que há compra de votos para se ser deputado na FRELIMO. Já passou por isso? Estamos a falar de alguém que ficou 30 anos no parlamento.
Eu apoio as mães do meu círculo eleitoral quando necessário, mas nunca comprei voto e nem admito esse tipo de conversa, corto logo.
Com que sentimento ficou a Dra. Ana Rita quando tomou conhecimento de que não teve votos suficientes para renovar o mandato na Assembleia da República?
Eu fui a primeira a dizer que “estou muito agradecida, porque Deus permitiu-me fazer seis mandatos consecutivos, sem interrupções e sem que me mandassem para outras missões. Vi como a Assembleia da República começou e deixei a casa numa fase muito boa. Se o motivo da minha saída foi dar oportunidade aos outros, desejo-lhes muita boa sorte. Estarei aqui para prestar o meu apoio e não quis ouvir mais justificações. Na FRELIMO, há uma canção em língua Changana que diz: Tinwane ti nguena, Tinwane Tihuma, que significa “outros entram, outros saem”.
“A falta de uma oposição organizada é benção para a FRELIMO”
As últimas eleições foram marcadas por muito barulho, com o artigo 156 da Constituição da República no centro da discordia. O que aconteceu, de facto?
Digo que, com um pouco de prudência, era possível termos evitado toda a situação que o país viveu. Lembro-me de, uma vez, o Presidente Filipe Nyusi ter dito: “ Ana Rita, eu não tenho nenhum problema com o artigo 156, mas vai conversar com a Presidente do Conselho Constitucional para colher a sua opinião”. Fui, e ela disse que não havia nenhum problema com aquele artigo. Se é a Constituição que diz que o juiz pode anular os resultados, porquê razão haveríamos de andar para frente e para trás? Eu já estava cansada e vocês, jornalistas, lembram-se de que aprovamos a Lei um dia antes de encerrar a sessão. Já estavámos em agosto, quando o processo eleitoral tinha começado em Fevereiro, com o depósito das candidaturas, e toda a gente só reclamava pelo atraso. Mas, para se ter consenso, era preciso muita paciência, numa altura em que a Assembleia da República nem se quer tinha dinheiro para realizar retiros. Olha, em algum momento tive de usar meios próprios para poder sair um pouco com o grupo de deputados da Renamo, para os últimos acertos, e conseguimos. Então, como é que, depois deste exercício todo, algumas pessoas ainda tiveram dificuldades em deixar a lei passar? Esta lei, na verdade, atribui responsabilidade ao juiz para invalidar os resultados apenas numa mesa da Assembleia de voto, e não em todo o distrito. Mas houve resistência, e deu no que deu. Muitos juízes são jovens, são nossos filhos, e, para eles, estávamos a dizer que não podiam exercer aquele mandato, quando a Constitui ção diz que podem. Como queríamos que eles compreendesesem isso?
Concorda que a FRELIMO, sendo o maior partido e estando no poder, podia ter feito mais para evitar o “bang bang” que o país viveu por conta do artigo 156?
A FRELIMO é o maior partido e com a melhor estruturação, do topo a base, neste pais. O que custava organizar-se? Organizar-se em que sentido?
É que nós também temos problemas na selecção de pessoas para os processos eleitorais. Há muito nepotismo, porque aquele primeiro secretário prioriza família na escolha dos membros das mesas de voto.
E, por vezes, são pessoas que nem se quer têm capacidade para desempenhar uma função de tamanha responsabilidade. Por isso, quando chega o momen to de tomar decisões, torna-se um problema. Não podemos olhar apenas para os partidos da oposição como os culpados; Nós é que temos de estar lá com pessoas mais capacitadas, que podem interpretar a lei corectamente. Por isso, digo que não havia necessidade de todo o barulho que assistimos. São polémicas. Esta lei foi aprovada por consenso e aclamação na Assembleia da República, de tal forma que até houve abraços entre as bancadas.
Dra. Ana Rita disse nesta con versa que a FRELIMO ainda vai governar por muito tempo. Por que faz essa afirma ção?
Porque existem estudos exaustivos sobre isso. Aqui , em África, são três partidos muito bem organizados, nomeada mente a FRELIMO, o MPLA de Angola e o ANC da África do Sul. Viu a polémica que se viveu nas últimas eleições na África do Sul, aquando da eleição do Presidente Ramaphossa? O Zuma pensou que saindo iria destruir o ANC, mas não conseguiu. Juluis Malema está na oposição há quanto tempo? Eu tinha colegas muito mais velhos do que eu na ACP, pessoas que já estavam a fazer carreira, porque lá fora faz-se carreira no parlamento – e diziam: “Ana Rita, sabe qual é a vossa sorte? É que vocês não tem oposição em Moçambique”. Em termos estruturantes, um dos partidos mais organizados em África é a FRELIMO. Mas, no dia em que vocês tiverem alguem da própria FRELIMO a decidir sair e criar um partido, ai sim, vocês vão saber o que é oposição.
Está a defender que nem a RENAMO, nem o MDM e nem o PODEMOS irão alcançar o poder?
Nunca. A FRELIMO ainda tem oportunidade de continuar a dirigir o destino do país por muito tempo.
E por quê?
Porque estou a trabalhar com a oposição há 30 anos, tirando o PODEMOS. O problema é que eles só sobrevivem com erros da FRELIMO. Um partido tem que ter agenda própria. Sempre que há eleições, a oposição não apresenta manifesto, sai a rua durante 45 dias da campanha eleitoral para insultar a FRELIMO. Espero que, um dia, a nossa oposição cresça, porque também não podemos negar a existência da oposição, já que o jogo democrático que nós aceitamos em 2000, na revisão pontual da Constituição é irreversível.
Na opinião da Dra. Ana Rita, para alem da falta de uma agenda clara, quais são outros erros que penalizam estes partidos nas urnas?
Olha, eu estou a falar do que conheço, a RENAMO é muito em volta de pessoas, dai que criou-se esta polémica a volta do Eng. Venâncio Mondlane, mas um fenómeno interessante é que na FRELIMO não é possível um quadro aparecer derepente a apresentar-se como candidato, seja o que for. Ali existe um controle bem cerrado, sabe-se muito bem quem é quem, isso te garanto. Aquilo que acontece na RENAMO é sinal de que alguma coisa não está bem nas normas internas e, penso eu que com a morte do líder ficaram muito abalados. Agora, a FRELIMO tem cultura de renovar os seus órgãos de cinco em cinco anos e isso é real. As pessoas podem não me entender, mas é um processo. É por isso que tivemos em tempos, nomes sonantes como Marcelino do Santos e Graça Machel a retirarem os seus nomes para membro da Comissão Po lítica, porquê? Porque achavam que podiam correr o risco de não serem eleitos. Não queriam sujeitarem-se a pessoas que não valorizam o percurso dos outros. Isso passa pela maturidade dos quadros que já estamos a perder, e creio que com apelos do Presidente do partido, Daniel Chapo, podemos ter de novo, consideração a quem fez as coisas.
Falou das fragilidades da RENAMO. Como vê o MDM e o PODEMOS?
O MDM é uma liderança familiar, não se dispem disso, agora, é verdade que cada um tem o seu carísma, refiro-me ao Daves e ao Luthero, este último trabalhamos lado a lado no parlamento durante 20 anos e, é por isso que digo que não me parece que o MDM em algum momento venha a ser gunda força política, está muito longe disso. Quanto ao PODEMOS é um fenómeno que todos os partidos devem se rever, devem se reecontrar.
É um fenómeno porquê?
Porque não está enraizado nas bases e, ainda falta-lhe uma ideologia clara e experiência política. É só ver esta situação de partir portagens e outras destruições, ninguém gosta daquilo. As pessoas tem mágoa por tudo aquilo que aconteceu, que aqueles jovens fizeram, incluindo as suas mães estão magoadas.
Pode-se dizer que o parlamento está reforçado com o PODEMOS?
O PODEMOS ainda precisa de maturidade política.
A RENAMO ainda pode reconquistar o seu espaço? Querendo sim, mas tem que reconhecer que houve um problema interno que levou o partido a este descalabro. Digo que ainda vão a tempo de reconquistar o seu espaço, porque eles estão nas bases, lá nos confins só encontras a FRELIMO e a RENAMO. Não encontras o PODEMOS e, a sua liderança está ciente disso. Mas a RENAMO é quem sabe o que quer e como vai fazer.
E a FRELIMO, consegue recuperar a confiança, sobretudo no seio da camada jovem?
A FRELIMO está a trabalhar para reconquis tar e consolidar-se e, está numa fase de restruturação muito séria. Os mais velhos, como a Graça Machel, Óscar Monteiro, Hélder Martins e outros já falaram, já apon taram os erros e possiveis soluções, o que significa que a FRELIMO precisa de restru turação, olhar para dentro e dar valor ao mérito e, isso já está a acontecer.
“Tem de haver coragem de expulsar todos aqueles que mancham o sistema”
Os críticos e não só dizem que muitos problemas que o país enfrenta, a causa está lá no seio da FRELIMO, partido governamental que nos últimos anos deixou-se mergulhar na corrupção, nepotismo e amiguismo. Está de acordo?
Concordo porque a FRELIMO é quem está no poder. E sabe? A parte mais grave da corrupção é a média corrupção, anda aqui no meio, onde tem que levar o parecer para a decisão final. Porque a lei de probidade pública, que é do meu tempo no parlamento, foi aprovado há mais de 15 anos e, tem tudo para evitar problemas. Tu vês agentes de Administração Pública ricos. Tens que te perguntar, onde é que este indivíduo arranja dinheiro para ter três carros de marca? Três casas? Nós permitimos isso. Ainda este ano, fui dar palestra na Autoridade Tributária e eu disse que aquela instituição é que garrante a estabilidade financeira do Estado. Nós temos um país extenso, com fronteiras tanto terrestres como aéreas, mas não temos dinheiro para pagar salários, como é possível isso? Uma instituição que recolhe dinheiro 24/24 horas? e não tem dinheiro no tesouro do Estado? Como? Então, para mim é um problema sistémico.
Perante esta situação qual é a saída?
Temos que tirar todos aqueles que mancham o sistema. Pessoas da minha geração que continuam na Administração Pública devem sair, porque já são pen sionistas. Eu fiquei pensionista com 55 anos, neste momento estou a emprestar ao Estado o meu saber, eu não ocupo lugar de ninguém, é uma questão de consciência, porque nem o meu filho hade entrar para o Estado se eu não sair. Se todos nós pensassemos que 35 anos de serviço é o fim da jornada na Administração Pública, não teriamos problemas, porque quem complica as progressões são pessoas da minha geração que estão lá nos Recursos Humanos.
Dra. Ana Rita considera-se uma mulher privilegiada e sortuda?
Diria que sim, são poucas as mulheres que tiveram a sorte que eu tive. Fiz de tudo, mas seguindo as normas. Considero-me sortuda também por gozar de boa saúde e, neste momento que estou fora do parlamen to, estou a repousar bastante, sem amaras de ter que pedir autorização para tudo. Há pouca gente com a sorte que eu tive na FFRELIMO. Fui eleita Presidente da Assembleia Parlamentar Paritária da Organização dos Estados da ACP e União Europeia. Felizmente, terminei o mandato em Fevereiro deste ano e, agora, sou Presidente honorária. São mandatos rotativos, com duração de dois anos, fiz a região da África Austral. Esse é o “top top” de carreira a nível da Assembleia da República e, até posso dizer que já não há mais nada para mim.
Abordou de forma aberta os problemas que afec tam o país e o seu partido, em particular. Isso é coragem ou é sinal de liberdade de expressão?
Eu quando falo do meu partido tenho toda a responsabilidade de assumir tudo o que digo. Não preciso de pedir autorização, falo aquilo que sei e, acredito que as pessoas olham para mim e dizem que sim, ela sabe o que está a dizer.