O Receio de admitir forças estrangeiras está na inabilidade de controlá-las

Em entrevista à DW, o analista Énio Chingotuane sublinha que, na base da renitência ao engajamento de tropas estrangeiras, está o receio de uma possível perda de controlo: “Mercenários são mais ou menos controláveis”.

Diante dos últimos acontecimentos ocorridos em Palmae da crescente ameaça à região norte de Moçambique, o Presidente da República, Filipe Nyusi disse estar a avaliar a possibilidade de aceitar ajuda militar internacional.

Contudo, o chefe de Estado sublinha que prefere que tal não aconteça em nome do “sentido de soberania”.

Énio Chingotuane, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais da Universidade Joaquim Chissano, acredita que na base da renitência do país à entrada de grupos militares internacionais na região está o receio de uma possível perda de controlo e um engajamento indireto dos terroristas que pode advir.

O analista defende que as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas têm conseguido debelar as ações dos grupos armados, mas que precisam de capacitação.

A uma pergunta sobre como encara o “sentido de soberania” evocado por Chefe do Estado, Filipe Nyusi para justificar a preferência pelo não envolvimento militar internacional no combate aos ataques, Énio Chingotuane respondeu que até agora Moçambique tem sido reticente quanto à ajuda internacional porque ainda não definiu muito bem qual é o tipo de engajamento que a comunidade internacional devia ter. O pressuposto que vinga até agora é que há de haver uma intervenção externa que vai atuar fora do âmbito de atuação das Forças Armadas e parece que as autoridades moçambicanas não estão a conseguir distanciar-se do conceito de intervenção e do conceito de apoio militar.

Disse que quando o Estado moçambicano olha para o ator externo como interventor, fica com receio que este possa livremente aturar e começar a criar distúrbios em relação a aquilo que são os esforços do Estado. O que o Estado gostaria que acontecesse é que viesse uma força, mas que essa força estivesse sob umbrella das Forças Armadas moçambicanas. Receia-se que possam criar mais problemas ao Estado no sentido de não obedecerem ou tomarem decisões unilaterais no campo de batalha. Poderá fugir ao controlo do próprio Estado, o receio está aí.

E existe também outro receio associado: Moçambique teme que, ao admitir a entrada de forças estrangeiras, possa também [viabilizar] que as forças terroristas sejam também apoiadas por forças estrangeiras. Os terroristas vão escalar em termos de apoio financeiro externo, apoio em termos de armamento e em termos de homens.

O governo moçambicano olha de uma perspetiva de self-help, em que não olha para a cooperação internacional com bons olhos, pelo menos na cooperação enquanto engajamento de uma força externa. O que o governo gostaria de ter é apoio logístico, apoio financeiro, apoio em treinamento, materiais de comunicação, etc, que lhe possa habilitar e ser capaz de combater sozinho as ameaças. O modelo que gostaria de ver vingar é este. Um modelo que não faz “muito barulho”, em que poderão ser engajadas forças estrangeiras, mas sem que seja feito um alarde. São dois dilemas que estão na mesa.

Se formos mapear o que tem acontecido em outras partes do mundo, a experiência tem mostrado que forças externas não têm sido tão produtivas e tendem a estender o conflito. E isso Moçambique gostaria de evitar. Os exemplos que tivemos em África do engajamento estrangeiro, deixaram o Estado assustado. Moçambique prefere conter a insurgência com as suas limitadas capacidades – fazendo um trabalho, não vou dizer perfeito, mas minimamente aceitável – do que admitir forças estrangeiras que poderão agravar a situação no terreno.

Contratação de empresas militares privadas

Énio Chingotuane é de opinião que o Estado prefere empresas de segurança privada, mercenárias, porque são mais ou menos controláveis. O Estado pode abdicar da sua presença e pode controlar os seus movimentos dependo da capacidade financeira. Se o Estado deixa de pagar a empresa terá de abandonar. O receio do Estado em admitir forças armadas estrangeiras está nesta inabilidade de controlá-las e tornar a sua intervenção mais perniciosa do que aproveitável. O Estado pensa que se tem um resultado minimamente aceitável hoje, prefere continuar com esse resultado do que arriscar um resultado que não estará ao seu alcance e que poderá contribuir para a derrocada de um país que pode ser considerado estável.

Tomaz Salomão desaconselha

tropas estrangeiras no país

O ANTIGO secretário-executivo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), Tomaz Salomão, defende por sua vez que o apoio para o combate ao terrorismo em Cabo Delgado deve ser concedido nos termos em que foi solicitado pelo Governo de Moçambique, nomeadamente logística e treino militar especializado.

Em entrevista à Televisão de Moçambique, Tomaz Salomão diz que o país precisa neste momento de apoio material e formação para enfrentar o inimigo e desaconselha, por enquanto, o envio de tropas estrangeiras, pois o país não guarda boas experiências.

Por outro lado, Salomão defende que, a ter de se buscar algum apoio, deve-se ir à região por ser a primeira linha onde se pode pedir ajuda, “antes de percorrer milhas para Portugal e tantas outras milhas para os Estados Unidos da América ou outro lugar”.

“Não há, em qualquer parte do mundo, onde há uma intervenção militar sem contrapartidas e, por isso, o país tem capacidade de avaliar as contrapartidas e decidir em fazer este tipo de coisas consciente do que deve ser feito em primeiro lugar”, disse Salomão, acrescentando que a reunião da dupla Troika aconselha que seja primeiro a região a intervir.

Destacou que no último ataque à vila de Palma não aconteceu o pior e os insurgentes não fizeram mais porque encontraram uma resposta forte das Forças de Defesa e Segurança (FDS) e, pela primeira vez, uma operação desta natureza teve a intervenção da Força Aérea, com meios pilotados por moçambicanos.

“Isto mostra que se se investir adequadamente na preparação das tropas, tanto em equipamento e treino necessário, podem fazer ainda melhor. Por vezes criticamos porque estamos distantes, mas as FDS fazem um trabalho brilhante”, afirmou, sustentando que o território não está pior porque as FDS mostraram bravura e a Força Aérea faz a protecção às forças terrestres para poderem fazer esta perseguição aos insurgentes.

Por isso, entende que as prioridades devem ser a formação, equipamento e logística, realçando que a ajuda deve vir da SADC e em relação aos outros há que avaliar as contrapartidas antes de tomar qualquer conclusão.

“Em Moçambique já tivemos tropas estrangeiras e o então Presidente Joaquim Chissano teve de ir à Zambézia porque a população exigia que fosse retirada esta força. Por isso, deixemos aqueles que são especialistas na matéria fazerem a avaliação e tomar as decisões”, defendeu, admitindo que é difícil e penoso o que está a acontecer, mas cabe ao país defender-se.

Por outro lado, Tomaz Salomão estranha o facto de o ataque a Palma ter acontecido poucos dias depois de a vila ter sido abastecida de produtos alimentares e quando a petrolífera Total acabava de mobilizar todo o seu pessoal para o reinício de actividades na península de Afungi.

Segundo ele, o ataque a Palma foi minuciosamente planificado, distrito que é detentor de um dos maiores jazigos de gás natural no mundo.

“Muita coincidência! Abastecer Palma de produtos alimentares e uns dias depois o Governo e a Total anunciam que vamos retomar os trabalhos porque estão criadas condições no terreno e depois há ataque, o que quer dizer que o mesmo já estava a ser planificado e preparado, à espera do tempo de apertar o gatilho”, opinou.

Explicou ainda que, de uma forma mais abrangente, Moçambique não faz parte do clube dos grandes produtores e exportadores dos hidrocarbonetos, quer de petróleo quer de gás, e é um jovem que quer entrar neste jogo.

“Os donos estão a transmitir a mensagem de que entrar no jogo não será fácil. Sem querer dizer que não pode entrar, mas a sua entrada vai custar caro, o que pode levar a pensar duas vezes se vale a pena insistir ou não”, disse.

No seu entender, pode não desistir mas, se calhar, deve fazer o que devia ter feito antes com consciência de que “entrar no tal banquete não é um convite para um jantar simples, mas um convite para um jantar cuja factura é pesada nos actuais termos e condições”.