O emblemático caso do garoto britânico Archie Battersbee, de 12 anos, é extremamente raro. Com uma lesão cerebral gravíssima, ele foi desligado este sábado, os aparelhos que o mantinham vivo. Pelo menos essa é a decisão da equipe médica que cuida do menino. Mas essa decisão gerou não apenas angústia para os familiares, mas muitos debates e batalhas na Justiça.
Para um pequeno número de crianças que ficam gravemente doentes a cada ano, a medicina atinge seus limites, explica o professor Dominic Wilkinson, especialista em ética médica e consultor neonatologista da Universidade de Oxford.
“Para crianças como Archie, os médicos não podem fazê-las melhorar, e técnicas e tecnologias médicas avançadas podem acabar fazendo mais mal do que bem. Às vezes, tudo o que a medicina pode fazer é prolongar o inevitável.”
Wilkinson diz que, na grande maioria dos casos, pais e médicos podem se unir para decidir sobre o que seria melhor para uma criança gravemente doente. Às vezes, as equipes podem precisar de ajuda externa para chegar a um acordo.
“Por exemplo, eles podem recorrer a um comitê de ética clínica ou mediação independente, ou podem buscar uma segunda opinião de especialistas em outros hospitais. Em uma pequena proporção de casos, se pais e médicos não concordarem sobre o que seria melhor para uma criança presa a aparelhos em uma UTI, a coisa certa a fazer é pedir ajuda à Justiça”.
A Justiça não está a priori do lado dos médicos ou dos pais. Em tese, se concentra exclusivamente no que seria melhor para a criança.
Para os médicos, seria do interesse da criança que o tratamento fosse paralisado. Para os pais deles, Archie ainda está vivo. “Seu coração ainda está batendo, ele segurou minha mão e, como mãe, sei que ele ainda está lá”, disse a mãe dele, Hollie Dance. “Até que seja a vontade de Deus, não vou aceitar que ele vá embora. Já soube de milagres em que as pessoas têm morte cerebral e voltam à vida.”
O garoto passou meses no hospital, ligado a aparelhos, desde que foi encontrado inconsciente em sua casa em abril. Os médicos que o tratavam no Royal London Hospital disseram que ele sofreu uma lesão cerebral tão devastadora no momento do incidente que não há como ele se recuperar.
Os pais de Archie disseram que não entendem a pressa de desligar o suporte de vida.
Então, quem deve decidir se os cuidados médicos devem parar e como?
A professora de cuidados paliativos, Ilora Finlay, de Llandaff, entende que para este tipo de casos, mediadores independentes devem ser consultados no futuro, pois “o conflito não ajuda ninguém”.
“Espero que tenhamos uma investigação sobre diferentes maneiras de lidar com esses casos muito, muito difíceis, para que haja uma mediação independente. Independente porque, se essa mediação for fornecida pelo hospital, ou pelos pais, um lado pode desconfiar do outro”, disse à uma rádio britânica. “A situação de conflito não ajuda ninguém. Os pais não querem ir ao tribunal. Os médicos não querem ir ao tribunal. Os gestores não querem ir ao tribunal.”
Finlay disse estar preocupada que casos como o de Archie “estejam a chegar a justiça muito rápido e muito cedo, e que precisamos de uma maneira alternativa de gerenciar a comunicação entre os médicos e os pais e, às vezes, também outros membros da família”.
O que essa mediação independente pode fazer não está muito claro.
Debate distorcido e enviesado
Daniel Sokol, especialista em ética médica e advogado, disse que às vezes os tribunais devem ser esse “juiz independente”. Mas isso não impede a sociedade de fazer julgamentos.
“Quando esses casos chegam à imprensa e às redes sociais, é pintada uma imagem distorcida, às vezes unilateral, do que realmente está acontecer”, disse Sokol. “Sem ler as decisões judiciais ou conhecer todos os detalhes, as pessoas de repente se tornam especialistas em ética médica, comentando agressivamente sobre os acertos e erros do caso, culpando os médicos, o hospital, os parentes ou quem tem uma posição diferente da sua.”
Para Sokol, “isso pode causar danos reais às pessoas e pode dissuadir os médicos de desafiar os pais no futuro, mesmo que estes possam tomar decisões contrárias aos interesses de pacientes vulneráveis.
Segundo o médico, os procedimentos para a determinação da morte encefálica devem ser iniciados em todos os pacientes que apresentem coma não perceptivo, ausência de reatividade supraespinhal e apneia persistente. O quadro clínico do paciente também deve apresentar todos os seguintes pré-requisitos: presença de lesão encefálica de causa conhecida e irreversível; ausência de fatores tratáveis que confundiriam o diagnóstico; tratamento e observação no hospital pelo período mínimo de seis horas; temperatura corporal superior a 35 graus; e saturação arterial”, aponta a resolução.
No caso de crianças, porém, os parâmetros são um pouco diferentes, com um período de observação maior sobre os indicadores que basearão as decisões a serem tomadas pelos médicos envolvidos no caso.