O Bispo Emérito da Igreja Anglicana, Dom Dinis Sengulane, recomenda ao novo Presidente da República, Daniel Chapo, que seja um verdadeiro representante de todos os moçambicanos, incluindo daqueles que votaram noutros candidatos presidências. “Eu espero que o presidente eleito venha nos apresentar aquilo que é a sua agenda nacional para os próximos anos, mas deve englobar a vontade de todos os moçambicanos”, afirmou.
Segundo Dom Dinis Sengulane, o Presidente tem que ver como vai reconciliar os moçambicanos que estão, neste momento, extremamente divididos. Para o Bispo, este é um desafio não apenas para o presidente, mas também para os partidos políticos que, na sua maioria, não estão reconciliados com os seus membros. Na entrevista que se segue, Dom Dinis Sengulane lamenta, com muita tristeza, o facto dos dois últimos Chefes de Estado, nomeadamente Armando Guebuza e Filipe Nyusi, não terem dado a devida importância à Agenda 2025, cujos conteúdos resultaram de contribuições dadas por diversas esferas da sociedade moçambicana, desde grupos de cidadãos, políticos, académicos, líderes religiosos e outras organizações profissionais e da sociedade civil.
Além da questão da reconciliação nacional ser ainda um tema sensível, o Bispo chamou atenção para a baixa qualidade dos deputados na Assembleia da República, apontando que os partidos políticos tratam este órgão legislativo apenas como um meio para garantir que os seus membros obtenham reformas salariais após cumprirem três mandatos. Ele também destacou a falta de continuidade nos programas iniciados por governos anteriores, o que prejudica o desenvolvimento do país. Acompanhe a entrevista na íntegra.
Qual deve ser a Agenda Nacional dos moçambicanos?
Independentemente de quem esteja a governar o país, é fundamental que exista uma Agenda Nacional que aspira os interesses de todos os moçambicanos. Nós tivemos a Agenda 2025, mas parece não ter sido valorizada. Por isso que os Chefes do Estado que vieram após a sua aprovação, nomeadamente Armando Guebuza e Filipe Nyusi, não utilizaram este documento, o que é triste , sobre tudo porque a sua concepção envolveu vários grupos de cida dãos. A Agenda 2025 era o início da construção de uma verdadeira Agenda Nacional, mas, infelizmente não avançou. Este ano marcaria o término do período estabelecido para a sua implementação, uma vez que o documento foi instituído no ano 2000, para ser implementado por um período mínimo de 25 anos. Quem é que sabe da existência deste documento? Quando olho para pessoas como o Professor Lourenço do Rosário e outras, que estiveram muito envolvido na sua elaboração, sinto bastante, há muitas cabeças que deviam ser bem aproveitadas neste país. Porque essas cabeças pensam em nome de todos nós, não estão à procura de uma oportunidade para se firmar.
Fracassada a Agenda 2025, como conceber um novo programa e o que deve ser prioritário?
A minha resposta é que um novo programa deve, sem dúvida nenhuma, ter a dimensão local, reconhecendo que todas as comunidades, mesmo as mais pequenas, devem contribuir para o bem-estar de todos nós. Além disso, o programa deve incluir uma dimensão espiritual, pois o moçambicano, assim como todo africano, acredita no não visível. Sabemos que os africanos quando iam lançar sementes, quando alguém casava ou quando uma mulher estivesse grávida, trazia-se a dimensão espiritual, onde alguns faziam intercessão e outros conversavam com os defuntos para fazerem parte daquilo que estivesse a acontecer na família como na sociedade.
O que é que nos une como moçambicanos?
A questão que coloco é: O que é que constitui nossas grandes preocupações? O que é que eu posso dar e o que é que tu podes dar? Como temos dito em outras oca siões, ninguém é tão sábio que não necessite da contribuição de outra pessoa, e ninguém é tão es túpido que não tenha nada a ofe recer os outros. É preciso escutar o que está a vir de Cabo Delgado, da Ponta do Ouro, de Namaacha ou de qualquer outra parte do país, e como trazer isso para o nosso bem-estar. Precisamos também trazer a dimensão de reconciliação em todos os momentos e o diálogo porque, afinal, somos imperfeitos. Há coisas que fazemos sem perceber que podem ferir alguém. Outras vezes, agimos deliberadamente porque queremos que alguém sinta. Nes ses casos , é necessário que eu me reconcilie com essa pessoa. Para mim, esses é que devem ser os pontos da nossa agenda nacional e reconhecer que Moçambique é um país que faz sorrir Deus.
“Deus ama Moçambique”
Porque é que o Bispo afirma que Deus ama Moçambique, mesmo com as guerras que viveu, o conflito em Cabo Delgado e as convulsões sociais devido as chamadas “injustiças sociais e eleitorais”?
Acho que, quando DEUS terminou de criar o mundo, olhou para Moçambique e disse: É tão bonito. Digo isso porque é mais fácil contar as coisas que não temos em relação àquilo que temos, sem contar com aqueles recursos que ainda estão em descoberta. Então, realmente, Deus ama Moçambique. Nós fomos feitos para vivermos aquilo que chamamos de vida plena, uma vida abundante, uma vida em que gozamos da nossa dignidade. Precisamos realmente de trabalhar no sentido de encontrarmos a reconciliação. O nosso diálogo deve levar-nos a identificar o que é preciso para evitar que tenha mos alguma ocasião de violência armada. A manutenção da paz deve fazer parte da agenda da nossa nação, a manutenção da paz é incontornável, pois sem paz não há desenvolvimento. Temos que evitar a marginalização dos jovens. É preciso ainda que nos processos da manutenção da paz, olhe-se para as mulheres que muitas vezes, em situações de guerra, são usadas para carregar produtos ou como escravas sexuais.
O envolvimento da mulher em questões da paz e reconciliação é importante, por que ela nunca vai deixar nada de baixo do tapete, diferentemente do homem, que tira proveito de situações de conflito. Logo no início da nossa entrevista, Dom Dinis Sengulane refe riu-se à Agenda 2025, que não teve pernas para andar.
O que contribuiu para o fracasso desta agenda?
Neste país falta prestação de contas. Quando alguém ascende ao poder, pensa que é dono de tudo. Eu acho que cabe aos eleitores dizerem: “Nós te elegemos para tu fazeres A, B, C e D e terem capacidade para exigir o que foi feito. E eu pergunto: quem presta contas a quem? É aí onde digo que as eleições deveriam servir para colocar em lugar certo, pessoas certas e em momentos certos. A outra pergunta que sai das cabeças das pessoas é: até que ponto conhecem quem é que lhes representa no Parlamento? Sobre os deputados, especificamente, a maioria não sabe o seu papel naquele órgão e a quem representa nos respectivos círculos eleitorais.
Isso remete-nos a perguntar se de facto Moçambique pode ser comparado a uma família ou é uma empresa pertencente a um pequeno grupo que decide os nossos destinos como nação?
Então, o diálogo ainda precisa continuar e, em algumas áreas, nem se quer começou. Precisamos discutir sobre os benefícios dados a A, B e C, sobretudo quando olhamos para a situação dos idosos desfavorecidos, crianças e outros grupos. Também quando olhamos para situação dos reformados, dos funcionários públicos que ganham muito mal, surge outra pergunta: Será que a actual agenda inclui esses grupos sociais?
Qual seria a contribuição da Igreja para inverter este cenário?
O papel da Igreja está naquelas palavras do Sacerdote Zacarias, quando saudava a chegada de seu filho, João Batista (Lucas1:79), que diz: “para iluminar os que estão sentados nas trevas e na sombra da morte e conduzir os nossos pés nos caminhos da paz”. Em outras palavras, a Igreja tem que ir iluminar a todos aqueles que estão sentados a dizer que está tudo ruim, nada se pode fazer, que é tempo deles, eles é que mandam. Eles quem? Você tem que ir lá iluminar para eles saírem das trevas, dizendo-lhes não, esse não é o lugar onde tu deves ficar. Ao fazermos isso, não estamos a fazer favor a ninguém. Aí de nós se não fizer mos isso. Eu lembro perfeitamente quando fomos falar, pela primeira vez, com o presidente Chissano sobre o fim da guerra entre o Governo e a Renamo. Ele disse que ficou encantado com a nossa presença e que, se não tivéssemos ido, ficaria com uma péssima impressão da Igreja, pois era um assunto que preocupava todo o país. Então, existem pessoas de boa vontade que são capazes de reconhecer quando a Igreja toma o seu papel, especialmente na dimensão de perdão e reconciliação. Aqui chamo também a responsabilidade os académicos, não no sentido de trazerem a paz, mas no sentido de acabar com o assédio sexual nas instituições de ensino. Devem entender que não estão apenas a transmitir os conhecimentos, mas a contribuir para a formação de uma sociedade saudável.
“A paz deve ser ensinada nas escolas”

Apesar de Moçambique ser um Estado laico, segundo o artigo 12 da Constituição da República, precisamos de uma disciplina escolar sobre a Paz. Acredita que uma disciplina sobre Paz vai moralizar o país?
Eu insisto que nós, como nação, precisamos de ter no nosso ensino a disciplina sobre a paz, a partir do nível pré-escolar até à universidade e ser uma matéria obrigatória. Por um lado, será uma contribuição da academia, por outro, da família porque conheço alguns países com uma percentagem pequena de religiosos, mas com uma moral e ética muito alta no seio da sua população uma vez que se aprende na escola, ao contrário de nós que temos igrejas em todo o canto. Por exemplo, já visitei o parlamento sueco quando o Governo daquele país ia apresentar a Bíblia com uma linguagem mais actualizada. Portanto, o parlamento incumbiu ao Governo á produção de uma Bíblia actualizada. Porquê? Porque para a Suécia a Bíblia faz parte da sociedade. A linguagem actualizada enriquece os textos da história e da geografia, porque, afinal, todas as palavras que nós usamos no dia–a-dia encontram-se na Bíblia. Não vai encontrar bomba atômica, mas vai encontrar algo que destrói como uma bomba atômica. Mas o que eu estou a explicar é que a Igreja jogou o papel e continua e vai continuar ainda mais por ela ser o sal da terra e a luz do mundo. Apesar de Moçambique ser um Estado laico, a igreja joga um papel fundamental na manutenção da Paz. A Igreja deve, com muita urgência, aguçar, cada vez mais, a sua penetração na sociedade como sal da terra. Mas eu concordo que é infeiz, muito infeliz e lamentável que haja no país muitas igrejas, muitas mesquitas, muitos profetas e apóstolos, mas ao mes mo tempo temos muita falta de ética e moral.
Que mensagem deixa ao novo Presidente da República?
Eu diria que ele é presidente de todos, incluindo daqueles que votaram em outros candidatos. Eu espero que o novo presidente venha nos apre sentar aquilo que é a Agenda Nacional para os próximos anos. O Presidente Daniel Chapo e o seu governo tem que ver como vai reconciliar os moçambicanos que estão divididos neste momento. Este é um desafio também para os partidos políticos que na sua maioria não estão reconciliados com os seus membros e, como consequência, temos um Parlamento também não conciliado.
Há motivos para termos esperança num futuro melhor?
Eu sou um homem de esperança e o plano de Deus é que vivamos em paz e tenhamos vida plena. Eu acredito num Moçambique cada vez mais sorridente. E os meios de comunicação social têm um papel muito importante porque divulgam e têm que divulgar as coisas boas que estão a acontecer no país que é para os outros serem inspirados a abraçar coisas boas, no lugar de exibir apenas coisas más.
Também comunga a ideia de que temos que renegociar os contratos dos grandes projectos?
Tudo passa pelo diálogo. Repito, temos de manter o diálogo mesmo para pormos fim a situação de Cabo Delgado com vista à reconciliação nacional.
Com quem se vai dialogar na situação de Cabo Delgado?
Quando nós, em 1984, dissemos que devíamos falar com a Renamo, dizia-se que não havia ninguém com quem se negociar. Em 1986, insistimos e disseram, procurem alguém com quem se pode negociar. Em 1988 fomos aos Estados Unidos da América para encon trarmos vias para o diálogo entre o Governo moçambicano e a Renamo, que tinha a sua base no distrito de Gorongosa, província de Sofala. Dos Estados Unidos, fomos para o Quénia e depois para Malawi e, finalmente, as preender porque determinadas pessoas decidiram pegar em armas e lutar, porque agora estamos a tatear e não estamos a ca partes sentaram-se a mesa e tanto o Presiden te Joaquim Chissano como o líder da Rena mo, Afonso Dhlakama perceberam que eram irmãos e que deviam encontrar um caminho para aliviar os moçambicanos de um peso tão grande que carregavam há 16 anos, em que todo o país estava inundado de guerra. Agora, estamos a lidar com uma situação em que há nomes de líderes, o que significa que podemos não conhecer a cara, mas conhecemos os nomes das lideranças desse conflito. Porquê não dialogar? Sabemos que todas as guerras que houveram, mesmo onde alguém se declarou vencido, depois tiveram que sentar e dialogar. Se sabemos que o caminho é o diálogo porquê temos que andar à procura de sinuosidades? Então, espero que o Presidente Chapo tenha essa abertura. Até pode ser um pouco oneroso, mas dizer que não existe quem estará a frente dessa guerra, é muito complicado. O que posso dizer é que estamos a destruir o país e todos saímos a perder. As pessoas que são mortas todos os dias são nossos irmãos, filhos e pais, essas pessoas não voltam mais.
Também comunga a ideia de que o conflito de Cabo Delgado está associado aos recursos que a província possui?
O diálogo franco é que nos levará a caminhar para parte alguma. Mas precisamos de avançar rumo à paz. Repito, há pessoas que estão sentadas nas trevas e na sombra da morte. Essas pessoas precisam de ser tiradas e iluminadas.
“Corrupção não garante qualidade de vida até aos Próprios corruptos”
Temos ainda a questão da corrupção. Qual é o melhor caminho para eliminar este mal na nossa sociedade?
Eu acho que a questão da corrupção pode ser vista nos seguintes ângulos. O primeiro ângulo é que é possível, de facto, encontrar pessoas que vivem honestamente com os seus salários muito baixos. Eles são bons gestores e Deus providencia. Segundo, a corrupção é totalmente desnecessária e só está a nos causar mal. Ninguém está com uma qualidade de vida melhor como resultado da corrupção. Pode ter uma casa boa, mas não tem uma vida melhor no sentido de felicidade, liberdade, porque sabe de onde foi tirar o dinheiro. A corrupção faz mal ao próprio praticante da corrupção, ao espírito daquela pessoa. Em terceiro, dizer que infelizmente os corruptos, activos ou passivos, estão lá em cima e têm muitos poderes, pisam a muita gente. Mas queria terminar contando a história que me aconteceu. Houve um senhor estrangeiro que veio visitar o país. Reuniu-se com os políticos, empresários, académicos, religiosos e no fim, veio ter comigo. Ele disse-me que como estava a falar com um homem de Deus iria dizer a verdade porque são palavras que não teria a coragem de dizer seja quem fosse. E disse: “A conclusão a que cheguei no final das minhas pesquisas é que os moçambicanos ou são mentirosos ou são ladrões”. Justificou-se afirman do que isso resultava do facto de que quando perguntou quanto é que se pagava o transporte, renda de casa, educação e tudo mais, falaram de um valor que variava dos 10 a 20 mil meticais. Eu digo, qual é o salário regular do moçambicano? E dizem 4 a 9 mil meticais. Eu ouvi isso de um em presário, de um político, de um académico e você também acaba de me dizer a mesma coisa. Então, eu pergunto, como é que essa coisa funciona? Porque ninguém me recomendou a falar com estas pessoas, eu mesmo escolhi, por isso, reitero o pensamento de que são mentirosos, se estão a falar a verdade então são todos ladrões, porque não entendo onde é que vão buscar dinheiro para garantir as despesas que superam o que recebem como salário. Por isso, eu saio daqui com a conclusão de que os moçambicanos são ladrões e gostaria de ter descoberto onde é que roubam. Mas eu convidei a ele a olhar para uma terceira possibilidade, que é Deus que providencia. Há uma coisa chamada milagre de Deus. Porque, na verdade, quando eu faço as contas do meu rendimento nada “bate”, mas consigo me manter e com uma vida normal e, a pergunta é como consegui fechar as contas? Não tenho a mínima ideia. Providência divina. Deus cuida dos seus. Por isso, os moçambicanos não são ladrões e não são mentirosos. Com esta história quero encorajar a todos a manterem-se honestos porque Deus providencia. Definitivamente a corrupção não ajuda, não trás nada a ninguém. E, também sabemos que não é a maioria que é corrupta, mas eles, os corruptos, fazem muito barulho e pensamos que são a maioria, de maneira nenhuma. Texto publicado na terceira edição da Revista ÁGORA –