O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tentou encurralar o seu homólogo da África do Sul, Cyril Ramaphosa, durante uma reunião bilateral na Casa Branca nesta quarta-feira (21), com afirmações sem provas sobre o falso “genecídio branco” que estaria em curso naquele país.
Donald Trump chegou a apagar as luzes do salão oval, para mostrar um vídeo que supostamente embasaria as acusações.
Ramaphosa rejeitou de maneira firme a ideia de que haveria perseguição contra brancos no seu país e a acusação de que o seu governo é leniente com assassinatos de agricultores africânere. Ramaphossa afirmou que a violência na África do Sul atinge, em sua maioria, pessoas negras.
“Se houvesse genocídio contra os africâneres na África do Sul, garanto que esses senhores não estariam comigo aqui hoje”, disse Ramaphosa, referindo-se aos membros brancos da delegação sul-africana que o acompanhou na visita à Casa Branca. O presidente é o primeiro líder africano e negro a visitar a Casa Branca neste segundo mandato de Trump.
Os africâneres são a minoria branca da África do Sul. Descendentes de colonizadores europeus, que governaram o país com mão de ferro durante o apartheid, sistema de segregação racial estabelecido em lei que durou de 1948 a 1994.
“E se houvesse genocídio, tampouco meu ministro de Agricultura estaria aqui”, prosseguiu Ramaphosa, referindo-se ao político africâner John Steenhuisen, que estava presente no encontro e cujo partido sustenta a coalização de Ramaphosa no parlamento desde as últimas eleições em 2024.
Trump exibe falsas evidências

Em resposta, Trump disse ter visto “milhares de histórias” sobre o falso genocídio. “Temos documentários, temos notícias, e posso te mostrar algumas coisas”, disse o republicano, que em seguida pediu para que as luzes do Salão Oval fossem apagadas para a reprodução de um vídeo com falas de políticos negros sul-africanos estimulando violência contra brancos.
O vídeo continha ainda imagens do que seriam túmulos de agricultores africâneres mortos por criminosos negros. Ramaphosa se recusou a assistir as imagens, olhando ocasionalmente para a tela, mas se mantendo sem expressão na maior parte do tempo.
Quando o vídeo terminou, Ramaphosa se dirigiu a Trump. “O que você viu, as falas que são feitas, não são política do governo. Temos uma democracia multipartidária na África do Sul.
Nosso governo é completamente contrário ao que esse partido minoritário diz”, insistiu.
Steenhuisen apoiou o presidente, dizendo que sustenta o governo de Ramaphosa no Parlamento justamente para evitar que “pessoas como essas” cheguem ao poder em seu país.
“Estamos dispostos a discutir essas preocupações com o senhor”, disse Ramaphosa, tentando mudar de assunto para falar de comércio e cooperação econômica, sem sucesso.
Trump interrompeu Ramaphossa para repetir que os agricultores brancos estão fugindo do país, e a reunião terminou com Ramaphosa a dizer que espera que os EUA possam “ter um papel de liderança” no G20, cuja cúpula reune-se este ano, em Joanesburgo.
A reunião tensa foi descrita pela imprensa americana como uma emboscada e um novo exemplo da “diplomacia do bullying” de Trump. O encontro suscitou comparações com a discussão entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, em fevereiro, na ocasião, os dois líderes bateram boca depois de o americano acusar o ucraniano de não ter interesse em encerrar a guerra contra a Rússia.
Durante o encontro, Ramaphosa alfinetou Trump sobre o caso do jato de luxo que seu governo aceitou de presente do Qatar. “Sinto muito, não tenho um avião para te dar”, disse o sul-africano, ao que Trump respondeu: “Eu gostaria que você tivesse. Se seu país oferecesse um avião à Força Aérea dos EUA, eu aceitaria”.
Por trás das acusações falsas de genocídio feitas por Trump está a aprovação de uma lei que prevê desapropriação de terras para diminuir desigualdades. Segundo o presidente americano, a nova medida é racista, uma vez que os proprietários brancos seriam os alvos.
Elon Musk, aliado próximo de Trump e de origem sul-africana, tem feito uma série de publicações na sua conta no X amplificando as afirmações falsas sobre o “genocídio branco”.
A legislação sancionada em janeiro tem o objecctivo de diminuir discrepância na distribuição de terra, segundo o governo de Ramaphosa. Na África do Sul, brancos são apenas 7% da população, mas são donos de 72% das terras agrícolas.
A lei atualiza texto de 1975 e reconhece a desapropriação como um ato legítimo para dar aos terrenos funções públicas. Ponto controverso é a possibilidade da não compensação, apenas em casos avaliados como excepcionais e sem acordo com o proprietário da terra.
O governo sul-africano afirma que a legislação vem sendo deturpada para criar pânico. As terras seriam apreendidas sem compensação apenas em casos raros, incluindo abandono ou se o proprietário usar o terreno como forma de especulação. Nesta quarta, um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da África do Sul disse que “não há confisco de terras” no país.
Em fevereiro, os EUA cortaram parte do financiamento destinado à África do Sul. Na semana passada, Washington concedeu o status de refugiado a 59 sul-africanos brancos sob a justificativa de que eles estariam sofrendo perseguição racial —algo que o governo sul-africano nega com veemência.
Os dois países também acumulam atritos devido à denúncia apresentada por Pretória na Corte Internacional de Justiça, no ano passado, de que Israel estaria a cometer um genocídio na Faixa de Gaza. Tel Aviv é o maior aliado de Washington no Oriente Médio.
Cyril Ramaphosa, 72 anos, lidera o país desde 2018, é o primeiro líder africano e negro a visitar a Casa Branca no segundo mandato do republicano. Eleito pela primeira vez em 2018 para comandar o país, Ramaphosa foi reconduzido ao cargo em 2024. Sua reeleição marcou um momento histórico para a política da África do Sul.
A eleição do ano passado foi a primeira ocasião em que o partido Congresso Nacional Africano (CNA), do qual Nelson Mandela fez parte, não atingiu a maioria no Parlamento e teve de negociar com adversários.