EXCLUSÃO DA CAD: Ordem dos Advogados aponta incongruências no Acórdão do Conselho Constitucional

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), tornou público esta semana, o seu posicionamento em relação ao Acórdão do Conselho Constitucional (CC), que exclui a Coligação Aliança Democrática (CAD) às Sétimas Eleições Legislativas e Quartas dos Membros da Assembleia Provincial e do Governador de Província. A Ordem aponta incongruências que enfermam a deliberação do CC.

Segundo a Ordem, o Estado de Direito Democrático não se consolida apenas com a independência dos poderes de soberania, mas também com competência. Não se pode citar jurisprudência que apenas descreve os procedimentos que devem ser observados para a constituição de coligações partidárias para efeitos eleitorais, mas que não aborda a questão das consequências da inobservância de formalismos legais. Essa citação assim feita representa uma mão cheia de NADA.

Num documento de quase nove páginas, que a Ordem chama de reflexão sobre o Acórdão n.º 10/cc/2024, de 31 de julho, atinente às deliberações nºs 59/cne/2024, de 9 de maio e 82/cne/2024, de 17 de julho, a Ordem começa por explicar que acompanhou e acompanha, com particular interesse público, atento à sua atribuição estatutária primeira de defesa do Estado de Direito Democrático, toda a controvérsia que o Acórdão citado acima suscitou na opinião pública nacional, que exige uma profunda reflexão do direito eleitoral, incluindo os respectivos princípios inerentes, de direito e contencioso, tudo postulando o aguilhão.

O Zebrando convida o leitor a ver o documento na integra:

Para a aludida reflexão, chama-se à colação as deliberações da Comissão Nacional de Eleições (CNE), avalizadas no Acórdão em tela:

  • Deliberação n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio, publicada no Suplemento do Boletim da República n.º 99, I Série, de 22 de Maio de 2024, atinente ao Deferimento do Pedido de Inscrição Eleitoral da Coligação Aliança Democrática e Aceitação do Mandatário Nacional às Sétimas Eleições Legislativas e Quartas dos Membros da Assembleia Provincial e do Governador de Província;
  • Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, em que ficou deliberado que “São rejeitadas as listas plurinominais fechadas de candidaturas da Coligação Aliança Democrática em decorrência de não reunir os requisitos legais estatuídos para a apresentação de candidaturas, o que resulta em nulidade do processo da sua candidatura”.

A primeira incongruência do Acórdão reside nesta passagem: “A Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, ao decidir, no seu artigo 4, pela rejeição das listas plurinominais da CAD, com fundamento da ilegalidade da constituição desta, está implicitamente a revogar a Deliberação n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio, como se reabrisse a fase anterior (e tomasse uma nova decisão de mérito sobre a inscrição), Isto porque a rejeição de listas plurinominais fechadas tem de ter como fundamento as irregularidades enumeradas nos artigos 179 e 182 da Lei n.º 8/2013, de 27 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, respectivamente (…) se, por falta de candidatos suplentes na lista entregue à Comissão Nacional de Eleições até ao termo do prazo de propositura, não for possível perfazer o número legal dos candidatos efectivos e de pelo menos três suplentes e havendo candidatos inelegíveis, cujo mandatário, depois de notificado do facto, não procedeu a substituição do candidato ou candidatos inelegíveis”.

Ora, o artigo 175º (Inscrição dos proponentes) n.º 1 da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, que estabelece o quadro jurídico para a eleição do Presidente da República e dos deputados da Assembleia da República, dispõe que “Os partidos políticos ou as coligações de partidos políticos devem efectuar a sua inscrição até cinco dias antes da apresentação das candidaturas, mediante requerimento dirigido ao Presidente da Comissão Nacional Eleições”. Como é bom de ver, a condição primordial para a apresentação de candidaturas é a inscrição do partido político ou das coligações de partidos políticos, pelo que a Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, nunca poderia ser de rejeição das “…listas plurinominais fechadas de candidaturas da Coligação Aliança Democrática em decorrência de não reunir os requisitos legais estatuídos para a apresentação de candidaturas, o que resulta em nulidade do processo da sua candidatura”, outrossim, deveria ter sido, caso coubesse, de revogação da Deliberação n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio, tornando, por conseguinte, inexistentes as candidaturas apresentadas pela CAD. Até porque, esta situação concreta (não reunir os requisitos legais estatuídos para a apresentação de candidaturas) não configura qualquer das situações elencadas nos artigos 179º (Rejeição definitiva da lista) e 180º (Verificação das candidaturas e publicação das listas aceites e rejeitadas) do diploma legal retro mencionado, tendo andado mal a CNE e o próprio Conselho Constitucional (CC) quando falam de rejeição de candidaturas, por inaplicável, tendo por isso, sido usada terminologia totalmente incongruente com a previsão legal.

A segunda incongruência do Acórdão que temos vindo a analisar de perto, verifica-se quando refere que “…entre a fase de inscrição de partidos políticos para fins eleitorais, regulada pelos artigos 172 a 176 e a apresentação de candidaturas regulada pelos artigos 177 a 191 da Lei n.º 8/2013, de 27 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, não existe uma separação, constituindo o mesmo “pacote””, adiantando que “Este raciocínio pode dever-se à sistematização da própria lei eleitoral que colocou no mesmo capítulo as matérias de inscrição dos partidos políticos e a apresentação de candidaturas propriamente dita, que, na verdade, são fases bem diferentes”. Não acompanhamos, de forma alguma, este entendimento.

Ora, na verdade, há mesmo que nos aquilatar sobre a melhor sistematização e interpretação do regime de inscrição dos partidos políticos e coligações políticas e a apresentação de candidaturas, bem como a natureza do acto de admissão da inscrição, tudo para efeitos eleitorais. O artigo 175º n.º 1 da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, já mencionado supra, com a epígrafe “Inscrição dos proponentes”, estabelece que “Os partidos políticos ou as coligações de partidos políticos devem efectuar a sua inscrição até cinco dias antes da apresentação das candidaturas, mediante requerimento dirigido ao Presidente da Comissão Nacional Eleições”, ou seja, da interpretação combinada com o artigo 172º (Legitimidade de apresentação) nºs 1 e 2 do mesmo diploma legal, que refere que “As candidaturas 3 são apresentadas pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, desde que registados na entidade competente do Estado até o início do prazo de apresentação de candidaturas e as listas podem integrar cidadãos não filiados nos respectivos partidos políticos” e que “Nenhum partido político, coligação de partidos políticos pode apresentar mais de uma lista de candidatos pelo mesmo círculo eleitoral”, e ainda o que dispõe o artigo 173º (Proibição de candidatura plúrima) nºs 1 e 2, também do mesmo diploma legal, que “Nenhum partido político, coligação de partidos políticos pode apresentar mais de uma lista de candidatos para Assembleia da República” e que “Não é permitido concorrer a deputado da Assembleia da República por mais de uma lista, sob pena de nulidade”, resultando claro que a inscrição tem em vista a apresentação de candidaturas proponentes, para evitar a apresentação de mais de uma lista concorrente ou candidatos por mais de uma lista, fazendo com que a deliberação sobre a inscrição de partidos políticos ou coligações partidárias não tenha a natureza preclusiva, antes sim, natureza instrumental ou procedimental. Portanto, em boa verdade, o processo eleitoral começa com a apresentação de candidaturas, e a sua admissão ou rejeição depende preliminarmente da inscrição dos partidos políticos ou coligações partidárias, bem como, dos óbices previstos nos artigos 179º (Rejeição definitiva da lista) e 180º (Verificação das candidaturas e publicação das listas aceites e rejeitadas) do diploma legal que temos vindo a citar. Também aqui, e neste aspecto não seguimos o Acórdão em destaque, por se afastar da natureza da deliberação em causa e a melhor interpretação da lei, não se podendo falar, porque inaplicável, do princípio da aquisição progressiva dos actos eleitorais.

Ademais, temos ainda que nos indagar sobre a competência primária do CC para declarar nula a Deliberação n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio, que aceita a inscrição da CAD para fins eleitorais. No nosso ordenamento jurídico a tutela jurisdicional da validade e regularidade do processo eleitoral funciona no sentido estricto daquilo que a Constituição da República de Moçambique (CRM), no seu artigo 243º n.º 2 e respectivas alíneas, estabelece especificadamente em matéria de competência do CC no processo eleitoral, quer actuando com competência exclusiva, quer actuando como tribunal de recurso, ou seja, em segunda instância, cabendo, depois a lei ordinária, também indicar especificadamente, as matérias de competência do CC e dos Tribunais Distritais.

Assim, e para o caso em concreto, estatuem os artigos 8º, 176º e 184º, todos da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, que estabelece o quadro jurídico para a eleição do Presidente da República e dos deputados da Assembleia da República (não sendo aplicável ao caso, o artigo 195º – Recurso ao Conselho Constitucional), pois aqui o recurso deriva de reclamação ou protesto apresentado, o seguinte:

Artigo 8

(Tutela jurisdictional)

  1. Compete aos Tribunais Judiciais de Distrito a apreciação, em primeira instância, dos recursos eleitorais, desde o período de recenseamento eleitoral até a validação e proclamação dos resultados eleitorais pelo Conselho Constitucional.
  2. Para efeito do julgamento em primeira instância, o tribunal notifica as partes interessadas.
  3. O julgamento em primeira instância ocorre na presença das partes interessadas.
  4. A ausência de uma das partes devidamente notificada, não prejudica o julgamento.
  5. Da decisão do Tribunal Judicial de Distrito cabe recurso ao Conselho Constitucional.
  6. Da decisão sobre reclamação ou protesto junto da Comissão Nacional de Eleições cabe recurso ao Conselho Constitucional, que julga em única e última instância.

Artigo 176

(Apreciação das denominações, siglas e símbolos)

  1. Vinte e quatro horas após a comunicação para anotação, a Comissão Nacional de Eleições aprecia a legalidade das denominações, siglas e símbolos, bem como a sua identidade ou semelhança com os de outros partidos ou coligações.
  2. A decisão prevista no número 1 do presente artigo é imediatamente publicada no prazo de três dias por edital mandado afixar no lugar de estilo nas instalações da Comissão Nacional de Eleições.
  3. No prazo de vinte e quatro horas a contar da afixação do edital, podem os mandatários de qualquer lista apresentada recorrer da decisão da Comissão Nacional de Eleições para o Conselho Constitucional, que deve decidir no prazo de cinco dias.

Artigo 184

(Recursos)

  1. Das decisões relativas à aceitação e rejeição das candidaturas e das respectivas listas podem recorrer ao Conselho Constitucional, no prazo de três dias, após a publicação referida no artigo 183 da presente Lei, os candidatos, os seus mandatários, os partidos políticos e coligações de partidos políticos.
  2. Os recursos são apresentados à Comissão Nacional de Eleições que, no prazo de até cinco dias, se pronuncia e remete-os ao Conselho Constitucional, com as provas e os materiais eleitorais julgados pertinentes.
  3. O Conselho Constitucional delibera no prazo legal, notificando a Comissão Nacional de Eleições e o recorrente e demais interessados.

Atento ao citado, os recursos relativos à apreciação da “…legalidade das denominações, siglas e símbolos, bem como a sua identidade ou semelhança com os de outros partidos ou coligações” e das “…decisões relativas à aceitação e rejeição das candidaturas e das respectivas listas…”, são da competência do CC, assim como das decisões “…sobre reclamação ou protesto junto da Comissão Nacional de Eleições…”, nos termos dos artigos 8º (Tutela jurisdicional) n.º 6 e 195º (Recurso ao Conselho Constitucional) da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, que estabelece o quadro jurídico para a eleição do Presidente da República e dos deputados da Assembleia da República.

Chegados aqui, uma questão emerge: de quem é a competência primária para decidir sobre os recursos relativos à legalidade da constituição de partidos políticos e suas coligações, que é o problema de fundo que se coloca à Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, embora a sua fundamentação seja de todo atabalhoada e divergente com os dispositivos legais vigentes? Ora, o artigo 243º n.º 2, alínea e), primeira parte, da CRM, propugna que “Compete ainda ao CC: decidir, em última instância, a legalidade da constituição dos partidos políticos e suas coligações…”, sendo certo que os artigos 8º n.º 1 e 193º n.º 1, ambos da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, estabelecem que “Compete aos Tribunais Judiciais de Distrito a apreciação, em primeira instância, dos recursos eleitorais, desde o período de recenseamento eleitoral até a validação e proclamação dos resultados eleitorais pelo Conselho Constitucional”. Como se constata, não há concentração total de competências no CC, antes pelo contrário, relativamente às matérias e nem das fases do processo eleitoral, funcionando este, não raras vezes, como tribunal de recurso.

Portanto, não havendo norma legal que atribui ao CC a competência primária (exclusiva) para apreciar recursos relativos à legalidade da constituição de partidos políticos e suas coligações, pelo princípio da tipicidade, do vertido nos artigos 8º n.º 1 e 193º n.º 1, ambos da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio e ainda pelo critério residual, no sentido de que cabe aos tribunais judiciais, por regra, julgar todas as causas que não estejam atribuídas a outra jurisdição, o CC não devia ter declarado nula a Deliberação n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio, que aceita a inscrição da CAD para fins eleitorais. Ou seja, devia ter se abstido de conhecer sobre os vícios dessa Deliberação (n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio), por falta de competência em razão da hierarquia, cujas consequências se assemelham à incompetência absoluta do tribunal.

É verdade, e isso é um facto inegável, que a Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, que refere que, “São rejeitadas as listas plurinominais fechadas de candidaturas da Coligação Aliança Democrática em decorrência de não reunir os requisitos legais estatuídos para a apresentação de candidaturas, o que resulta em nulidade do processo da sua candidatura”, pode ter induzido a CAD e o próprio CC em erro, pois a decisão aqui tomada é de nulidade da candidatura, quando o efeito e alcance prático da Deliberação em causa é a legalidade da inscrição da coligação CAD, em face da legalidade da constituição da coligação. Do excesso devem os advogados e os tribunais cuidarem, pois a tarefa de interpretar, mas também de julgar, é determinada pelos factos e direito aplicável.

Entretanto, mesmo que fosse competência primária do CC apreciar a legalidade da constituição de coligações, há que reflectirmos sobre as seguintes passagens do Acórdão, que se citam para melhor compreensão, “…a Deliberação n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio, inscreveu, para fins eleitorais, uma entidade não legalmente constituída nos termos da Lei dos Partidos Políticos, visto que o n.º 3 do artigo 174 da Lei n.º 8/2013, de 27 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, remete para 6 a Lei dos Partidos Políticos o regime de constituição de coligações de partidos políticos para fins eleitorais. Portanto, é esta a lei reguladora dos factos constitutivos dos partidos políticos ou coligações” e que “O CC já se pronunciou no passado, através da Deliberação n.º 25/CC/2004, de 26 de Outubro, sobre esta questão. De acordo com esta Deliberação, os dois requisitos constantes das alíneas a) e b) do artigo 26 da Lei n.º 7/91, de 23 de Janeiro (Lei dos Partidos Políticos) são de (…) verificação cumulativa (…) [de] que depende a existência legal duma coligação pata fins eleitorais, pelo que, os partidos que se coliguem têm o ónus de, após a celebração do pacto de coligação, promover o averbamento do facto nos respectivos livros de registo, perante o Ministério da Justiça, no prazo de quinze dias (…). Não se trata, pois, de pedir ao Governo o reconhecimento da coligação, porquanto, conforme o disposto no n.º 3 do citado artigo 26, as coligações não constituem entidades distintas dos partidos que as integram”, se acrescentando que “…estes Partidos, apesar de terem apresentado o convénio de 27 de Abril de 2024, não podiam, como pretendem, ser inscritos pela CNE, em coligação para fins eleitorais, pois a coligação não existia legalmente para poder produzir os efeitos pretendidos”. Não acompanhamos este arremesso.

Ora, as coligações são alianças partidária temporárias, formalizadas entre dois ou mais partidos políticos para concorrerem, de forma unitária, às eleições, não constituindo as mesmas (coligações) entidades distintas dos partidos que as integram. Ou seja, as coligações emergem do acordo de vontades dos partidos políticos, que celebram os respectivos convénios. Então e aqui chegados, uma vez provada a celebração do convénio CAD, qual será a consequência da falta de averbamento da coligação no Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos? Esta irregularidade, a existir, é ou não sanável?

Como facilmente se alcança, o que se refere é que não estando registado o averbamento da coligação CAD, a mesma não tem personalidade jurídica, porque o averbamento do convénio é elemento constitutivo dessa personalidade, o que não se confunde com a personalidade judiciária, nos termos do artigo 8º e 9º do Código de Processo Civil (CPC), daí a CAD ser parte litigante no processo em que foi proferido o Acórdão em destaque.

Ora, quando a Deliberação n.º 25/CC/2004, de 26 de Outubro refere que, “…os partidos que se coliguem têm o ónus de, após a celebração do pacto de coligação, promover o averbamento do facto nos respectivos livros de registo, perante o Ministério da Justiça, no prazo de quinze dias (…). Não se trata, pois, de pedir ao Governo o reconhecimento da coligação, porquanto, conforme o disposto no n.º 3 do citado artigo 26, as coligações não constituem entidades distintas dos partidos que as integram” – negrito e sublinhado nosso, implicitamente está a dizer que a Lei, no caso dos partidos políticos, consagra um sistema de aquisição semi-automática da personalidade jurídica das coligações (através da celebração do convénio), porquanto este acto não depende de lei especial para a sua outorga, nem da concessão pelo Estado e nem de autorização administrativa, exigindo-se, apenas, pois a mera vontade das partes não basta, uma formalidade legal que é o 7 averbamento da coligação na entidade referida, que é o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos.

Embora a Lei dos Partidos Políticos estabeleça que as coligações promovem “…o averbamento do facto nos respectivos livros de registo, perante o Ministério da Justiça, no prazo de quinze dias…”, este prazo não é preclusivo, podendo ser efectuado sempre e a qualquer momento. Feito o averbamento da coligação posteriormente ao prazo de quinze dias, a questão da personalidade judiciária consolida-se com a aquisição da personalidade jurídica, nos termos do artigo 5º (Conceito e medida da personalidade judiciária) do Código de Processo Civil (CPC). Tratava-se aqui de aplicar a regra da actualidade material da decisão, nos termos do artigo 663º (Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes), n.º 1, do CPC, por via do qual as decisões devem tomar em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam após o decurso do processo, de modo a corresponder à situação existente no momento do encerramento da decisão, no caso da Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, pois nesta data o averbamento já tinha sido feito no dia 18 de Junho de 2024. Comprovado o averbamento superveniente da coligação, verifica-se a assunção retroativa dos actos praticados pela mesma, pois a irregularidade foi sanada. A irregularidade invalidante em causa era relativa, que só se colocaria se não tivesse havido sanação da irregularidade à data da Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, o que não é, nem foi o caso.

Vale ainda dar nota, como reflexão final, que o contencioso de apresentação de candidaturas não constitui um momento de fiscalização da vida e da democraticidade internas dos partidos políticos. Por outro lado, a matéria atinente ao foro interno dos partidos é imune, nos termos da lei, a intromissões externas aos envolvidos no desenvolvimento da actividade partidária. De facto, entendeu o legislador reservar aos militantes meio processual próprio para suscitar a fiscalização da regularidade dos actos partidários, fora do âmbito dos processos eleitorais.

Concluindo:

  • Não se pode falar de rejeição das candidaturas apresentadas pela CAD, quando as mesmas são inexistentes, em virtude da alegada ilegalidade da inscrição da coligação CAD, em face da alegada ilegalidade da sua constituição (como coligação), ou seja, a inscrição é condição para a apresentação de candidaturas;
  • A inscrição visa a apresentação de candidaturas proponentes, para evitar a apresentação de mais de uma lista concorrente ou candidatos por mais de uma lista, fazendo com que a deliberação sobre a inscrição de partidos políticos ou coligações partidárias não tenha a natureza preclusiva, antes sim, natureza instrumental ou procedimental. Na verdade, o processo eleitoral começa com a apresentação de candidaturas e a sua 8 admissão ou rejeição depende preliminarmente da inscrição dos partidos políticos ou coligações partidárias, bem como dos óbices previstos nos artigos 179º e 180º da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, não se podendo falar do princípio da aquisição progressiva dos actos eleitorais;
  • Não há norma legal que atribui ao CC a competência primária (exclusiva) para apreciar recursos relativos à legalidade da constituição de partidos políticos e suas coligações, pelo princípio da tipicidade, do vertido nos artigos 8º n.º 1 e 193º n.º 1, ambos da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio e ainda pelo critério residual, no sentido de que cabe aos tribunais judiciais, por regra, julgar todas as causas que não estejam atribuídas a outra jurisdição, o CC não devia ter declarado nula a Deliberação n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio, que aceita a inscrição da CAD para fins eleitorais. Ou seja, devia ter se abstido de conhecer sobre os vícios desta Deliberação (n.º 59/CNE/2024, de 9 de Maio), por falta de competência em razão da hierarquia, cujas consequências se assemelham à incompetência absoluta do tribunal;
  • A Lei dos Partidos Políticos consagra um sistema de aquisição semi-automática da personalidade jurídica das coligações (através da celebração do convénio), porquanto este acto não depende de lei especial para a sua outorga, nem da concessão pelo Estado e nem de autorização administrativa, exigindo-se, apenas, pois a mera vontade das partes não basta, uma formalidade legal que é o averbamento da coligação no Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, sendo que o prazo para o efeito não é preclusivo, podendo ser feito sempre e a qualquer momento. Feito o averbamento da coligação posteriormente ao prazo de quinze dias, a questão da personalidade judiciária consolida-se com a aquisição da personalidade jurídica, nos termos do artigo 5º do CPC. Trata-se aqui de aplicar a regra da actualidade material da decisão, nos termos do artigo 663º, n.º 1, do CPC, por via do qual as decisões devem tomar em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam após o decurso do processo, de modo a corresponder à situação existente no momento do encerramento da decisão, no caso da Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, pois nesta data o averbamento já tinha sido feito no dia 18 de Junho de 2024. Comprovado o averbamento superveniente da coligação, verifica-se a assunção retroativa dos actos praticados pela mesma, pois a irregularidade foi sanada. A irregularidade invalidante em causa era relativa, que só se colocaria se não tivesse havido sanação da irregularidade à data da Deliberação n.º 82/CNE/2024, de 17 de Julho, o que não é o caso.

O Estado de Direito Democrático não se consolida apenas com a independência dos poderes de soberania, mas também com competência. Não se pode citar jurisprudência que apenas descreve os procedimentos que devem ser observados para a constituição de coligações partidárias para efeitos eleitorais, mas que não aborda a questão das consequências da inobservância de formalismos legais. Essa citação assim feita representa uma mão cheia de NADA.

Por uma Advocacia Ética, de Qualidade e Moderna, ao Serviço da Sociedade. Assim termina a reflexão com a data de 05 de Agosto de 2024.