José Castiano, Filósofo, Professor Catedrático e vice-reitor da Universidade Pedagógica de Maputo, traz para esta edição a ideia da restruturação da Reconciliação Nacional. O filósofo e académico entende que, se não for realizado esse debate em todos os níveis, o país corre o risco de retornar à caça às bruxas. Segundo Castiano, o país tem muitas questões pendentes, como a morte de muitos nacionalistas, durantes e depois da Luta de Libertação Nacional. “Se não debatermos esses assuntos num fórum aberto e institucional, poderemos estar a adiar mais um problema, porque Moçambique está cheio de espíritos escondidos no mato e de qualquer maneira. Por isso, a dimensão da reconciliação é também espiritual”, afirma. O filósofo ressalta que, tradicionalmente, uma pessoa mal sepultada não tem o seu espírito sossegado. O mesmo acontece quando se se pulta um corpo sem a presença da família. “Onde morre um homem, ficam filhos, sobrinhos ou irmãos e, às vezes, pais. Estamos constantemente a cometer o mesmo erro e a adiar um problema”, destaca. Para o académico, este é um assunto de Estado que precisa ser institucionalizado. No entanto, ele defende que o debate não deve estar voltado para o passado, mas sim para o futuro, visando entender o que o Estado vai fazer em relação a esses espíritos mal encaminhados.
Então, acha o Professor José Castiano que há condições para um debate aberto e institucional sobre as mortes que ocorreram no país antes da década 60; durante a Luta de Libertação Nacional; no conflito dos 16 anos entre o Governo e a Renamo, e sobre as mortes que ocorrem nos dias atuais?
No mínimo, dou 100 anos, sem compromissos da história e do que aconteceu. Mesmo assim, ainda será necessário tratar o assunto com algum cuidado. Tomo como exemplo a grande escravatura, que levou os negros para as Américas. Depois de todo esse tempo, a discussão sobre o tema não é ainda fácil. Hoje, encontramos fa mílias cuja fortuna se explica pelo negócio de escravos no Golfo da Guiné, na Nigéria, no Gana e em outros países. Para dizer que não é um assunto a ser tratado de ânimo leve, mas precisamos planear para, futuramente, como moçambicanos, nos confrontarmos com o nosso passado. Aqui, convido a academia a desempenhar o seu papel, pois até agora, o momento foi da política. Todos esses esforços de diálogo e assinatura de acordos entre o Governo da Freli mo e a Renamo foram momentos políticos. Mas penso que agora estão criadas as condições para a actuação da academia, para que ela faça força de modo que Moçambique não volte mais à guerra. A academia já faz reflexões, mas o maior protagonismo está nas mãos de quem tem armas. Agora, é o momento não só da academia, mas também das igrejas, com o seu papel na formação espiritual e rmoral, para que as pessoas adqui ram a mentalidade de que só com a palavra podemos lutar e alcançar consensos. A sociedade civil também tem um papel importante na disseminação de ideias construtivas.
Desigualdades e convulsões sociais
Tenho dito sempre que a grande divisão é entre o pobre e o rico. A grande reconciliação surgirá da justiça social. É preciso que o acesso aos recursos e ao poder não estejam ligados a critérios particulares, étnicos, partidários ou religiosos. Esta é a grande questão.
Como tornar as províncias locais de esperança para os jovens, de modo que estes não se vejam forçados a ir a Maputo em busca de melhores condições de vida?
Tenho dito que a Estrada Nacional Número 1 será a grande veia de salvação. Ela tem um papel muito importante. Na época da guerra, a estrada sofria cortes, sinal claro da sua relevância. Ela dinamiza a vida do país em todos aspectos: económicos, sociais e até culturais. Os Presidentes Samora Machel, Agosti nho Neto, Amilcar Cabral, Fidel Castro e outros, com pouco dinheiro, circularam e fizeram circular o seu povo, através de festivais culturais. Tratava-se de movimentos para criar o sentido de pertença, para mostrar que somos todos iguais no acesso a oportunidades. E isso foi feito sem avião e muito menos dinheiro. Por isso, é falsa a narrativa de que as coisas não acontecem por falta de investimento. Há simbolos principais da unidade que vão para além da bandeira, do hino, do Presidente da República e da língua, que é a construção de infraestruturas que criem acessos e a liberdade de movimentação de pessoas, bens e ideias.
Comunga a ideia de que Vunduzi, no distrito de Gorongosa, na província de Sofala, merece um museu da Paz e Reconciliação?
Os símbolos fazem parte da perpetuação da história e construir-se um museu naquele local, onde foi encerrada a última base militar da Renamo no âmbito do programa DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração), vai permitir que não só nós os adultos de hoje, mas também os jovens e crianças no futuro possam ter um sítio e uma ideia do que aconteceu na história e como foi importante lutar por essa paz. Esse símbolo permaneceria na história e seria um local que poderíamos considerar quase como a “Meca” da nossa reconciliação. A historicidade moçambicana é feita pela Independência e a seguir a esta, seria este símbolo da reconciliação. Penso que Vunduzi seria o local ideal para isso. Temos o exemplo da África do Sul, onde Mandela declarou o Dia da Reconciliação como um feriado. Em Gana temos estátuas e museus ligados a escravatura como símbolo de reconciliação com o passado que foi terrível para a humanidade, mas também encontramos em Washington, a frente da Casa Branca, o Museu da Escrava tura, a única casa pintada de preto.