Acordos de Lusaka: O que aconteceu no dia sete de Setembro de 1974

As Delegações da Frente de Libertação de Moçambique e do Estado Português, reuniram em Lusaka, capital zambiana, de 5 a 7 de Setembro de 1974, com vista ao estabelecimento do acordo conducente à independência de Moçambique.

O Acordo representou o fim da guerra e o restabelecimento da paz com vista à independência de Moçambique. Abriu uma nova página na história das relações entre os dois países e povos (Moçambique e Portugal).

A Frente de Libertação de Moçambique, que no seu combate sempre soube distinguir o deposto regime colonialista do povo português, e o Estado Português desenvolveram esforços a fim de lançar as bases de uma cooperação fecunda, fraterna e harmoniosa.

O Acordo entre Moçambique e Portugal contem 19 pontos a saber

1. O Estado Português, tendo reconhecido o direito do povo de Moçambique à independência, aceita por acordo com a FRELIMO a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.
2. A independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da FRELIMO.
3. Com vista a assegurar a referida transferência de poderes são criadas as seguintes estruturas governativas, que funcionarão durante o período de transição que se inicia com a assinatura do presente Acordo:
a) Um Alto-Comissário de nomeação do Presidente da República Portuguesa;
b) Um Governo de Transição nomeado por acordo entre a Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português;
c) Uma Comissão Militar Mista nomeada por acordo entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique.
4. Ao Alto-Comissário, em representação da soberania portuguesa, compete:
a) Representar o Presidente da República Portuguesa e o Governo Português;
b) Assegurar a integridade territorial de Moçambique;
c) Promulgar os decretos-leis aprovados pelo Governo de Transição e ratificar aos actos que envolvam responsabilidade directa para o Estado Português;
d) Assegurar o cumprimento dos acordos celebrados entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique e o respeito das garantias mutuamente dadas, nomeadamente as consignadas na Declaração Universal dos Direitos do Homem;
e) Dinamizar o processo de descolonização.
5. Ao Governo de Transição caberá promover a transferência progressiva de poderes a todos os níveis e a preparação da independência de Moçambique.
Compete-lhe, nomeadamente:
a) O exercício das funções legislativa e executiva relativas ao território de Moçambique. A função legislativa será exercida por meio de decretos-leis;
b) A administração geral do território até à proclamação da independência e a reestruturação dos respectivos quadros;
c) A defesa e salvaguarda da ordem pública e da segurança das pessoas e bens;
d) A execução dos acordos entre a Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português;
e) A gestão económica e financeira do território, estabelecendo nomeadamente as estruturas e os mecanismos de controle que contribuam para o desenvolvimento de uma economia moçambicana independente;
f) A garantia do princípio da não discriminação racial, étnica, religiosa ou com base no sexo;
g) A reestruturação da organização judiciária do território.
6. O Governo de Transição será constituído por:
a) Um Primeiro-Ministro nomeado pela Frente de Libertação de Moçambique, a quem compete coordenar a acção do governo e representá-lo.
b) Nove Ministros, repartidos pelas seguintes pastas: Administração Interna; Justiça; Coordenação Económica; Informação; Educação e Cultura; Comunicações e Transportes; Saúde e Assuntos Sociais; Trabalho; Obras Públicas e Habitação;
c) Secretários e Subsecretários a criar e nomear sob proposta do Primeiro-Ministro, por deliberação do Governo de Transição, ratificada pelo Alto-Comissário;
d) O Governo de Transição definirá a repartição da respectiva competência pelos Ministros, Secretários e Subsecretários.
7. Tendo em conta o carácter transitório desta fase da acção governativa os Ministros serão nomeados pela Frente de Libertação de Moçambique e pelo Alto-Comissário na proporção de dois terços e um terço respectivamente.

8. A Comissão Militar Mista será constituída por igual número de representantes das Forças Armadas do Estado Português e da Frente de Libertação de Moçambique e terá como missão principal o controle da execução do acordo de cessar-fogo.

9. A Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português pelo presente instrumento acordam em cessar-fogo às zero horas do dia 8 de Setembro de 1974 (hora de Moçambique) nos termos do protocolo anexo.

10. Em caso de grave perturbação da ordem pública, que requeira a intervenção das Forças Armadas, o comando e coordenação serão assegurados pelo Alto-Comissário, assistido pelo Primeiro-Ministro, de quem dependem directamente as Forças Armadas da Frente de Libertação de Moçambique.

11. O Governo de Transição criará um corpo de polícia encarregado de assegurar a manutenção da ordem e a segurança das pessoas. Até à entrada em funcionamento desse corpo o comando das forças policiais actualmente existentes dependerá do Alto-Comissário de acordo com a orientação geral definida pelo Governo de Transição.

12. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique comprometem-se a agir conjuntamente em defesa da Integridade do território de Moçambique contra qualquer agressão.

13. A Frente de Libertação de Moçambique e o Estado Português afirmam solenemente o seu propósito de estabelecer e desenvolver laços de amizade e cooperação construtiva entre os respectivos povos, nomeadamente nos domínios cultural, técnico, económico e financeiro, numa base de independência, igualdade, comunhão de interesses e respeito da personalidade de cada povo.
Para o efeito serão constituídas durante o período de transição comissões especializadas mistas e ulteriormente celebrados os pertinentes acordos.

14. A Frente de Libertação de Moçambique declara-se disposta a aceitar a responsabilidade decorrente dos compromissos financeiros assumidos pelo Estado Português em nome de Moçambique desde que tenham sido assumidos no efectivo interesse deste território.

15. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique comprometem-se a agir concertadamente para eliminar todas as sequelas de colonialismo e criar uma verdadeira harmonia racial. A este propósito, a Frente de Libertação de Moçambique reafirma a sua política de não discriminação, segundo a qual a qualidade de Moçambicano não se define pela cor da pele, mas pela identificação voluntária com as aspirações da Nação Moçambicana. Por outro lado, acordos especiais regularão numa base de reciprocidade o estatuto dos cidadãos portugueses residentes em Moçambique e dos cidadãos moçambicanos residentes em Portugal.

16. A fim de assegurar ao Governo de Transição meios de realizar uma política financeira independente será criado em Moçambique um Banco Central, que terá também funções de banco emissor. Para a realização desse objectivo o Estado Português compromete-se a transferir para aquele Banco as atribuições, o activo e o passivo do departamento de Moçambique do Banco Nacional Ultramarino. Uma comissão mista entrará imediatamente em funções, a fim de estudar as condições dessa transferência.

17. O Governo de Transição procurará obter junto de organizações internacionais ou no quadro de relações bilaterais a ajuda necessária ao desenvolvimento de Moçambique, nomeadamente a solução dos seus problemas urgentes.

18. O Estado Moçambicano independente exercerá integralmente a soberania plena e completa no plano interior e exterior, estabelecendo as instituições políticas e escolhendo livremente o regime político e social que considerar mais adequado aos interesses do seu povo.

19. O Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique felicitam-se pela conclusão do presente Acordo, que, com o fim da guerra e o restabelecimento da paz com vista à independência de Moçambique, abre uma nova página na história das relações entre os dois países e povos. A Frente de Libertação de Moçambique, que no seu combate sempre soube distinguir o deposto regime colonialista do povo português, e o Estado Português desenvolverão os seus esforços a fim de lançar as bases de uma cooperação fecunda, fraterna e harmoniosa entre Portugal e Moçambique.
Pela Frente de Libertação de Moçambique o Acordo foi assinado por Samora Moisés Machel, então Presidente da Frelimo e primeiro Presidente de Moçambique independente.

Pelo Estado Português o Acordo foi assinado por Ernesto Augusto Melo Antunes, (Ministro sem Pasta); Mário Soares (Ministro dos Negócios Estrangeiros); António de Almeida Santos (Ministro da Coordenação Interterritorial); Victor Manuel Trigueiros Crespo (conselheiro de Estado); Antero Sobral (Secretário do Trabalho e Segurança Social do Governo Provisório de Moçambique); Nuno Alexandre Lousada (tenente-coronel de infantaria); Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa (capitão-tenente da Armada) e Luís António de Moura Casanova Ferreira (major de infantaria).