Moçambique: Será que o país tem condições de continuar a realizar eleições?

A resposta para esta pergunta só virá da reflexão proposta pela Plataforma de Observação Eleitoral Conjunta, Sala da Paz, após várias irregularidades que marcaram as últimas eleições autárquicas de 11 de Outubro do presente ano, as mesmas que ditaram a sua repetição nos municípios de Nacala-Porto, Milange, Gurué e Marromeu, neste último domingo, 10 de Dezembro

A preocupação da sala da paz aumentou depois da repetição de domingo ter também registado graves irregularidades, entre as quais baleamentos que causaram ferimentos, atas não assinadas, presidentes de mesas desaparecidos e detenções.

Dércio Alfazema, da sala da paz, considera que Moçambique precisa de realizar uma reflexão nacional e inclusiva sobre a necessidade ou não da realização de eleições. Em representação da Sala da paz, Alfazema disse que esta reflexão deve ocorrer antes da realização das eleições gerais marcadas para 2024.

“Como sala da paz, pensamos que o país precisa definir outros mecanismos e critérios para escolher as pessoas que nos vão dirigir em diferentes níveis”, disse, questionando se vale a pena continuar a realizar eleções que só causam discórdia e mais conflitos entre os moçambicanos.

Numa nota de imprensa enviada à nossa redação, a sala da paz enumerou algumas constatações que marcaram o processo, entre as quais uma forte presença policial nos quatro municípios; marcadas por um ambiente de tensão, com registo de várias irregularidades, entre ilícitos eleitorais e até situações de violência antes da abertura, durante e depois do processo de votação. Esta situação está a preocupar a Sala da Paz pelo facto destas eleições serem repetição devido as irregularidades registadas durante o processo eleitoral do dia 11 de Outubro.

Na EPC 25 de Junho, em Marromeu, uma jovem foi encontrada com boletins de voto a favor da Frelimo e foi agredida fisicamente.  Foi necessária a intervenção policial para evitar o pior. Um docente de nome Julião Tata foi flagrado na posse de boletins pré-votados em Gurué , numa assembleia onde não se recenseou. A Sala da Paz indica que é preciso apurar a origem dos boletins de voto que surgiram fora do circuito normal.

 

De salientar que, em conferência de imprensa, poucas horas antes do início do processo, a CNE garantiu que a repetição iria decorrer sem sobressaltos, porque as condições estavam criadas. Garantiu ainda que todos os membros das assembleias de voto envolvidos nos ilícitos eleitorais não fariam parte no processo de repetição.

A repetição decorreu em 18 mesas de Nacala-Porto (província de Nampula), três de Milange e 13 de Gurúè (Zambézia) e na totalidade das 41 mesas de Marromeu (Sofala). Nestes municípios, o processo não foi validado pelo Conselho Constitucional.

O processo de repetição conta com 525 membros de mesas de assembleias de voto e está orçado em 41 milhões de meticais (595 mil euros).

A Renamo boicotou a repetição da votação na autarquia de Nacala Porto, com a ausência dos delegados de candidatura e membros de mesas. A Sala da Paz considera que as irregularidades que marcaram a repetição das eleições representam desrespeito à democracia.

É preciso prevenir o conflito.

Perante recorrentes conflitos pós-eleitorais, o diretor executivo da Fundação Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil, João Pereira, insiste na necessidade de criar um Instituto de Prevenção de Conflitos. Para este que é também académico, sem instituições apropriadas será impossível consolidar a paz e a reconciliação no país.

Para João Pereira, essa instituição deverá funcionar como um Instituto de Meteorologia, que, em vez de anunciar mau tempo, anuncia o risco que a falta da coesão social pode trazer. Mas também seria responsável por advogar assuntos de paz e reconciliação.

Já o escritor e jornalista Mia Couto defende o recurso ao diálogo e não às armas de guerra para resolver conflitos entre os moçambicanos.  “A nossa insígnia, que consta uma arma, deve ser repensada, porque aquela arma, segundo reza a história, foi usada como último recurso, porque o primeiro recurso foi o diálogo, por isso deve haver disponibilidade para conversar”.