Lembrem-se? : Adriano Bomba, piloto que desertou da Força Área Moçambicana com Mig-17

Após a assinatura do Acordo de Roma de 1992, Afonso Dhlakama, então líder da Renamo, declarou à comunicação social em Maputo que Adriano Bomba “havia morrido” sem adiantar mais pormenores. De acordo com membros da Renamo, Adriano Bomba terá morrido durante uma emboscada. 

Aconteceu no dia 8 de Julho de 1981, a deserção do piloto moçambicano Adriano Francisco Bomba, que tripulando um Mig-17, sobrevoou o espaço aéreo sul-africano com o propósito firme de pedir asilo político ao regime de Pretória.

Para alcançar os seus intentos, Bomba inventou um voo de treino – ataque simulado à Moamba. Bomba largou do aeródromo do Maputo, fez voo rasante mas, quando alcançou a fronteira, subiu na vertical até 22000 pês, exactamente para poder ser detectado pelos radares da força aérea da África do Sul.

Dois Mírages sul-africanos, tripulados pelo major Frans Pretorius e pelo capitão Hennie Louw, interceptaram o Mig. O tenente Bomba deu-lhes a conhecer o que pretendia, “asilo político” e aterrou com segurança na base aérea de Hoedspruit no Transvaal Oriental.

Assediado pelos correspondentes militares da imprensa, declarou nessa altura. “Eu quero dormir. Desculpem-me. Sinto-me salvo. mas estou exausto”.Concedeu uma conferência de imprensa, toda ela falada em português.

Adriano Bomba foi um aluno brilhante na Escola Industrial de Maputo, viveu no Bairro do Fomento, na Matola, e jogou futebol, como médio, no Sporting Clube de Lourenço Marques.

A sua fuga de Moçambique foi organizada pelo seu irmão Boaventura Bomba, ligado aos serviços secretos sul africanos e aos elementos da comunidade portuguesa na África do Sul que apoiavam a Renamo.

Após a assinatura do Acordo de Roma de 1992, Afonso Dhlakama, então líder da Renamo, declarou à comunicação social em Maputo que Adriano Bomba “havia morrido” sem adiantar mais pormenores. De acordo com membros da Renamo, Adriano Bomba terá morrido durante uma emboscada.

Na África do Sul não foi tratado ou considerado como um prisioneiro de guerra, porque a África do Sul não estava em guerra com Moçambique, e foi-lhe concedido asilo político. O MIG 17, que não se encontrava nas melhores condições (um dos canhões estava inoperacional e os pneus estavam completamente degradados), foi devolvido a Moçambique.

O que se segue é a transcrição dum extracto das respostas dadas por Adriano Bomba, depois publicadas pelo jornal sul africano “Panorama” e replicada por outros meios de comunicação da época.

Pergunta:

O facto de ter trazido consigo um avião MIG I7 representa um acto de guerra particular contra o sistema em Moçambique?

Resposta:

Utilizei o avião como simples meio de transporte, mais nada. Um meio de transporte mais eficaz. Sei que aquele avião não pode ser utilizado contra a Frelimo. Porquê? Porque sei que não sou o primeiro piloto que foge de um país num avião de guerra. Sei que depois disto tudo, o avião irá de volta. Isto já aconteceu com um piloto soviético que saiu da URSS num MIG-25, aterrou no Japão e depois seguiu para os Estados Unidos. Depois de ter sido estudado e todo desmontado, o MIG-25 foi reenviado para a União Soviética.

Pergunta:

Disse que se sentia mais útil a Moçambique fora do país, do que na situação em que ali se encontrava. Quer ser mais explícito sobre este aspecto?

Resposta:

Em Moçambique, quando estava a estudar, tinha em mente tirar um curso, o meu curso. A importância que vejo nele não é unicamente nacional, resulta da importância que esse curso ocupa no campo científico, e a ciência para mim não tem nacionalidade. Aquilo que eu pudesse fazer no campo da ciência poderia beneficiar Moçambique, pelo menos a longo prazo. O facto de não ter podido segui-lo demonstra que as pessoas em Moçambique não se desenvolvem. Porquê? Porque não têm o direito de optar. Quando um indivíduo opta, é muito mais dedicado à sua causa.

Pergunta:

Teria a sua deserção surpreendido os seus camaradas de armas de Moçambique?

Resposta:

Penso que os meus colegas, principalmente os da Força Aérea, não se admiraram daquilo que eu fiz, porque os nossos ideais convergem. Mas tomar a decisão que tomei é coisa que tem muito mais importância e é muito mais difícil. Este meu acto vai despertar muita gente; tenho consciência de que muitas mentalidades adormecidas vão despertar por causa deste meu acto.

Pergunta:

Com um acto de ousadia quase agressiva, modificou subitamente o curso de seu destino. Como antevê o desenrolar desse destino?

Resposta:

Os meus planos são aumentar os meus conhecimentos na África do Sul.

Pergunta:

Não receia que a sua família em Moçambique esteja agora em perigo?

Resposta:

Não penso que a minha família esteja em perigo. Porquê? Porque as autoridades moçambicanas não têm um argumento concreto. O que fiz foi uma decisão que tomei sozinho, que não partilhei com ninguém.

Pergunta:

Como é do conhecimento geral a República da África do Sul é alvo de propaganda muitas vezes falaciosa e muito agressiva acerca do sistema interno do país. Sendo negro, pede asilo político à África do Sul. Porquê?

Resposta:

Eu não vim para a África do Sul para me envolver nas suas actividades internas. Não estou para me intrometer nos assuntos internos da África do Sul.

Pergunta:

Não receia as atitudes raciais que provavelmente terá de enfrentar na África do Sul?

Resposta:

Quando vim para a África do Sul não sabia como é que se vivia aqui. O que sabia da África do Sul era aquilo que a propaganda anti-sul-africana dizia. Até fiquei admirado, depois de chegar à África do Sul, quando saí e vi a maneira como convivem os pretos e os brancos. A realidade entrava em choque com aquilo que a propaganda lá fora diz. É claro que eu não sei tudo acerca das relações sociais entre pretos e brancos aqui na África do Sul, porque pouco ainda vi. Mas o que já vi é a demonstração de que é mentira o que dizem lá fora.

Pergunta:

Considera-se um exilado político na África do Sul?

Resposta:

Eu pedi residência permanente na África do Sul.

Pergunta:

Faz parte de uma elite de homens bastante reduzida, é um piloto de caça-bombardeiro. Com a decisão de vir para a África do Sul nestas circunstâncias, não se ressentirá do facto de não voltar a pilotar o seu MIG-17?

Resposta:

Eu gosto da minha especialidade. Todo o piloto de caça-bombardeiro adora a sua especialidade. É algo que entra no sangue. Gostaria de continuar a voar na qualidade de piloto de caça-bombardeiro.

Pergunta:

Teve medo quando viu um Mirage ao pé do seu MIG-17 ?

Resposta:

Eu tinha visto o Mirage somente em fotografias e sabia que não era nenhum bicho do outro mundo. Quando vi os Mirages perto de mim, fiquei mais tranquilo, porque um Mirage perto de um MIG-17 é muito menos perigoso que um Mirage longe de um MIG-17.

Pergunta:

A sua saída de Moçambique, nas circunstâncias conhecidas, foi certamente um teste à sua capacidade de imaginação…

Resposta:

Eu preparei o voo. Quando vão voar, os pilotos têm de fazer um desenho da rota que vão seguir. Eu não ia, com certeza, desenhar uma rota com descolagem em Maputo e aterragem em Hoedspruít. O voo que desenhei era a rota normal para atingir o alvo a determinada hora e depois retomar a Maputo. Mas, claro, dentro do avião fiz outra rota, para sair, passar pelos pontos de mudança de rota e fazer a aterragem em Hoedspruít. Mas tudo isso foi só dentro da minha cabeça.

Pergunta:

Encontrando-se na República da África do Sul há cerca de dez dias, será tempo suficiente para poder avaliar se terá tomado uma decisão correcta?

Resposta:

Que tomei a decisão correcta, isso eu concluí ainda em Moçambique. Por tal razão vim para aqui. Agora não tenho dúvidas nenhumas.

Fonte: jornal sul africano “Panorama