Mulheres na política e em cargos de decisão não abraçam causas e são menos solidárias

Académicas e organizações da sociedade civil apelam às 106 deputadas na Assembleia da República para usarem este período de preparação eleitoral para advogar a adopção da lista zebra, combinada à formação, de modo a garantir  paridade de género e qualidade respectivamente.

Moçambique ocupa uma posição privilegiada no “ranking” de presença de mulheres nos órgãos de tomada de decisão e na Assembleia da República, mas a correlação entre o número em órgãos de soberania e das causas por elas defendidas ainda é discutível, não por falta de competência, porque muitas provaram ser verdadeiras “animais” políticas.

Contribui para esta atitude o modelo do jogo político partidário no qual elas estão inseridas, que pouco valoriza as causas das mulheres.

Segundo a académica Maria de Lurdes Mangueleze, uma das oradoras no encontro de reflexão sobre a integração de género nos processos políticos no país, organizado na quarta-feira pelo Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), no âmbito da celebração do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, muitas das que conseguem alcançar cargos de liderança, na Assembleia da República, nas assembleias provinciais e municipais têm domínio das regras políticas partidárias, conhecem o campo político em que estão inseridas, conseguem acumular o capital político, social e até económico para alavancar a sua posição e melhor negociar os seus interesses.

Para a jovem académica, esta flexibilidade e domínio do jogo político revelam que o facto de não defenderem os direitos das mulheres, crianças e idosos, que é a esperança da sociedade, não resulta de incompetência ou incapacidade.

De acordo com Mangueleze, o país precisa de mulheres que estejam na política com causas, que possam ter liberdade de exprimir a sua opinião, a liberdade de dizer não, mesmo ao partido a que pertencem, quando a decisão tomada for contra os propósitos por elas defendidos.

Para Maria de Lurdes Mangueleze, a estrutura política da maior parte dos partidos, da base ao topo, é rígida, não permitindo incorporar mulheres com causas. As que têm acabam por se conformar com a disciplina partidária.

Falando para uma plateia composta por deputadas da Assembleia da República, das assembleias provinciais, municipais, sociedade civil, membros de partidos políticos, da Comissão Nacional de Eleições, jornalistas, académicas e outras, Mangueleze disse ainda que os membros da maioria dos partidos políticos não têm clareza sobre o processo de ascensão dentro das mesmas formações.

“Quais são os mecanismos, quais são os critérios para a mulher poder ascender a posições de liderança?”, questionou a académica, considerando esses critérios muito subjectivos, levando-se a pensar haver favoritismo e amiguismo para a ascensão, e não o mérito.

Para a académica, só mulheres com causas permitirão uma integração de género dentro das políticas públicas e, assim, o país poderá resolver os problemas das mulheres, que constituem a maioria (cerca de 52%) da população moçambicana, estimada em mais de 30 milhões de habitantes.

Deputadas chamadas a unirem-se

PARA Isabel Casimiro, investigadora do Centro dos Estudos Africanos e activista social, é crucial a união das mulheres parlamentares, independentemente das suas cores políticas, para que possam ter força de defender os interesses da maioria.

Segundo a académica, apesar de os partidos falarem de causas das mulheres, dentre elas direitos iguais, eles ainda não são simpáticos em relação a isso.

“É importante que o Fórum das Mulheres Parlamentares esteja conectado com todas as deputadas e mulheres da sociedade civil”, disse, salientando que o Fórum é uma força importante a ser usada a favor da paridade de género.

Isabel Casimiro explicou que o país tem instrumentos importantes que, bem usados, podem alavancar a mulher, citando a estratégia e a política do género. Mas também considera que o facto de as mulheres constituírem a maioria da população moçambicana é uma vantagem que, bem usada, pode fazer a diferença e mudar o actual cenário.

“Somos a maioria, mas dos 250 deputados apenas 106 são mulheres, e o mesmo acontece nos órgãos de tomada de decisão”, disse, lamentando ainda o facto de a  ascensão da mulher aos cargos de tomada de decisão estar condicionada à filiação partidária.

Segundo Casimiro, das pesquisas feitas ficou saliente que ainda há dificuldades para os partidos aceitarem candidaturas de mulheres para esses grandes desafios, o que exige estabelecimento de regras para o efeito.

Um outro desafio apontado pela investigadora é a dificuldade na aplicação das leis, que resulta no seu desconhecimento pela maioria dos cidadãos, sendo obrigação do Governo fazer a devida divulgação permanente, o que diminuiria os níveis de corrupção nas instituições.

Isabel Casimiro disse ainda que a sociedade moçambicana vive num contexto capitalista, patriarcal, racista, de violência e de exclusão, por isso, se as mulheres não estiverem unidas, será difícil fazer passar as suas agendas.

“Precisamos de deixar os egos. Vejo que cada uma de nós quer salientar-se mais do que as outras, não seria mau se usássemos esses egos para caminharmos como as ondas do mar”, disse, lamentando que essa situação seja visível em muitas instituições, incluindo na Assembleia da República e na academia.

Falta agenda de género

POR seu turno, a gestora de Projectos no Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), Lorena Mazive, que fez a abertura do encontro em representação do director-executivo, Hermenegildo Mulhovo, defendeu que os partidos políticos ainda não conseguem ser suficientemente actores de mudança que contribuam para a efectiva inclusão de mulheres nas formações políticas.

Disse que essa situação está associada ao facto de estas não terem ainda uma agenda de género, o que resulta da sua falta de empenho nas instituições onde estão representadas.

Lamentou que a mulher ainda tenha muitas preocupações nas dimensões social, política, económica, aliadas a práticas culturais e às leis, que ainda não são inclusivas. “Infelizmente, elas não tomam essas dimensões como uma agenda para seguir e influenciar mudanças”.

“Por exemplo, nós vamos às eleições autárquicas e gerais em 2023 e 2024, repectivamente, mas ainda não se sente o movimento efusivo de mulheres, com determinação suficiente para apresentarem propostas sobre o que pretendem e que tipo de pessoas, mulheres querem para liderar o país ou para membros de instituições democraticamente eleitas”, disse.

Segundo Lorena Mazive, esperava-se que as mulheres já estivessem a influenciar a aprovação de uma lei que fosse favorável a elas, como é o caso da “lista zebra”, um modelo que havia de propiciar a inclusão.

Disse que algum esforço nesse sentido vem da sociedade civil, e não dos actores políticos. “Onde estão as mulheres das ligas femininas dos partidos políticos e das ligas da juventude?”, questionou a gestora de Programas, para depois salientar que com o envolvimento dessas organizações se formaria uma voz poderosa para a mudança.

Defendeu a importância da “lista zebra” pelo facto de muitos partidos políticos não terem adoptado ainda uma política de quotas. Reconheceu que, por mais que a sociedade civil tenha vontade, ela não tem força suficiente para influenciar a mudança de regimentos e estatutos dos partidos políticos em prol da igualdade de género, mas as mulheres membros dessas forças políticas podem exercer pressão para uma renovação positiva.

“Mas enquanto isso não acontece, queremos que o próprio legislador sinta que é preciso que haja inclusão e apelamos às 106 deputadas na Assembleia da Republica para usarem este momento eleitoral para advogar a adopção da ‘lista zebra’, combinada à formação, de modo a garantir qualidade”, salientou.

“Lista zebra” vem das listras da zebra. É uma iniciativa de política de discriminação positiva para permitir a inclusão de mulheres no campo político. Se na zebra para cada listra negra há uma listra branca, a iniciativa “lista zebra” advoga que, em instituições democráticas eleitas, para cada homem/mulher haja uma mulher/homem, com o objectivo de garantir a equidade numérica de género.

JOANA MACIE