Segundo o juiz que condenou a Privinvest, o governo moçambicano não tinha conhecimento das ilegalidades. Manuel Chang terá guardado segredo sobre os subornos.
Em comunicado de imprensa, o grupo naval Privinvest, condenada esta semana pelo Tribunal Comercial de Londres a pagar 1,9 mil milhões de dólares a Moçambique, manifestou a intenção de recorrer da decisão do juiz das dívidas ocultas, Robin Knowls, ao mesmo tempo que promete perseguição às acções do Presidente da República, Filipe Nyusi, assim que deixar o cargo, em Janeiro de 2025.
Este grupo considera que a sentença, para além de ser estranha é alarmante. Segundo o juiz a compensação à Moçambique resulta das perdas, em consequência das garantias emitidas pelo antigo Ministro das Finanças Manuel Chang, preso nos Estados Unidos, a favor das empresas Ematum, MAM e Proindicus.
O grupo que foi considerado culpado no caso das dívidas ocultas, diz que vai recorrer para corrigir os erros verificados no processo, nomeadamente a falta de documentos relevantes provenientes do Gabinete do Presidente da República e do Serviço de Informação e Segurança de Estado (SISE). “Apesar de ser evidente que contas de e-mail institucionais e pessoais foram utilizadas por todo o governo, houve uma deficiente divulgação desses documentos”.
No mesmo comunicado, este grupo diz que a capacidade do juiz londrino de conduzir um julgamento justo foi “deliberadamente sabotada” pela estratégia de ocultação de documentos adoptada por Moçambique.
A empresa considera “extremamente perturbador” que, embora o juiz tenha reconhecido que Moçambique foi enganado pelos seus próprios oficiais e que houve falta de colaboração na divulgação de documentos, tenha proferido uma decisão desfavorável para a Privinvest.
O grupo garante, no entanto, que irá perseguir as acções do Presidente da República, Filipe Nyusi, assim que deixar o cargo, em Janeiro. “Isso reflecte que o juiz inglês reconheceu que Filipe Nyusi e a sua elite política deixaram, de maneira abjecta, de agir de acordo com os melhores interesses do povo aquém eles servem”, escreve a Privinvest, que manifesta frustração com o sistema jurídico inglês, no qual depositou confiança.
Moçambique não tinha conhecimento da ilegalidade
Entretanto, o juiz inglês Robin Knowls, argumenta que decidiu a favor de Moçambique, porque se o país tivesse conhecimento das ilegalidades, tais teriam sido chanceladas pela Assembleia da República. Segundo o juiz londrino, Manuel Chang terá guardado segredo sobre os subornos.
Para Robin Knowls, não ficou provado que o Estado moçambicano tinha conhecimento das ilegalidades cometidas na emissão das garantias das dívidas ocultas. Numa sentença com um total de 123 páginas, produzida em cerca de três meses, o juiz traz os principais argumentos que o levaram a decidir a favor de Moçambique.
As evidências produzidas, diz o juiz, demonstram que Manuel Chang recebeu efectivamente sete milhões de dólares, mas o facto de ter sido um alto dirigente do Estado a assinar ilegalmente garantias não significa que Moçambique tomou conhecimento e consentiu.
“Em meu julgamento, Moçambique não sabia do suborno do ministro Chang. Era secreto na época e não há evidências que me satisfaçam de que isso se tornou conhecido por Moçambique antes das datas de pagamento em 2015 e 2016 mencionadas pelo Sr. Safa e pelas Empresas Privinvest acima”.
Acrescenta que foi apenas em 2018 que o procurador-geral de Moçambique escreveu ao presidente do Tribunal Administrativo em Maputo, informando que, durante o curso das ‘investigações preparatórias’ que haviam sido iniciadas pelo Ministério Público, foram encontrados factos que ‘constituíam infracções financeiras indicativamente atribuíveis ao ministro Chang’”, escreveu o juiz, no documento a que a STV teve acesso.
Adianta o juiz que, se o Estado moçambicano tivesse conhecimento das ilegalidades, como sempre argumentou o Grupo Privinvest, o Parlamento teria sabido do assunto. “Deve-se notar ainda que nem mesmo o titular de cargo público mais alto tinha autoridade para permitir ou ratificar um suborno, e estes eram subornos do ministro das Finanças. Não houve divulgação à Assembleia da República de Moçambique do facto dos pagamentos: haveria consequências públicas visíveis se houvesse tal divulgação”.
O juiz também se pronunciou em relação ao argumento que era defendido pela Privinvest sobre a necessidade de chamar governantes moçambicanos para o esclarecimento de questões relevantes no processo. “Posso aceitar que algumas testemunhas não estariam disponíveis para Moçambique, mas é claro que o país tinha a opção de chamar o Presidente Guebuza e o Presidente Nyusi como testemunhas, especialmente à luz da escassez de divulgação de documentos. O mesmo pode ser dito em relação ao primeiro-ministro Alberto Vaquina, cuja ausência não foi explicada. A decisão de Moçambique de não chamar o Presidente Nyusi e o Presidente Guebuza como testemunhas reforça a minha opinião de que as inferências que tiro da pobreza da sua divulgação são apropriadas”, lê-se na sentença.
Entre 2012 e 2014, três empresas estatais moçambicanas, nomeadamente a Ematum, MAM e a Proindicus, contraíram secretamente, sem conhecimento do parlamento, empréstimos de cerca de 2 mil milhões de dólares junto de bancos estrangeiros – incluindo o Crédit Suisse – para comprar equipamento de vigilância marítima e embarcações militares. A Privinvest esteve envolvida em alguns destes contratos e projectos