As manifestações populares, que se registam desde o dia 21 de outubro, contra os resultados eleitorais estão a ter impactos severos sobre vários sectores e segmentos da sociedade.
O sector da saúde está entre os mais afectados. Há, por um lado, registos de algumas unidades sanitárias que já foram forçadas a encerrar actividades, ainda que temporariamente, por défice de pessoal médico ou por receio de vandalização.
E as que se mantiveram a funcionar, respondendo a pressão para atender ao elevado número de vítimas da repressão da Polícia durante os protestos. O impacto foi para os utentes que se viram privados de atendimento sanitário devido ao condicionamento de actividades, olhando sobretudo para a situação daqueles que tinham consultas marcadas ou de doentes crónicos que deveriam levantar medicamentos (doentes com diabetes, HIV, hipertensão, hemofilia, cancros, entre outros).
Em suma, a maior parte dos prejuízos recai para os utentes que se viram privados de atendimento médico em várias unidades sanitárias, situação que colocou em risco a saúde de alguns doentes, sobretudo dos doentes crónicos que necessitam de um atendimento mais especializado e com acompanhamento contínuo.
É no contexto das manifestações populares em curso que o Observatório Cidadão para a Saúde (OCS) apresenta uma pesquisa sobre o impacto, por um lado, das manifestações no sector da saúde – enquanto provedor dos serviços sanitários públicos. Por outro lado, o impacto sobre a saúde dos cidadãos como beneficiários do sistema de saúde disponibilizado pelo Estado através do Ministério da Saúde.
A pesquisa é referente ao período de 21 de Outubro a 7 de Novembro que compreendem a 1ª, 2ª e 3ª fase de manifestações convocadas pelos partidos da oposição.
O Serviço Nacional de Saúde é constituído por cerca de 1.800 unidades sanitárias distribuídas por 11 províncias. Deste número, 69 são hospitais, sendo 4 centrais, 7 provinciais, 9 gerais, 47 distritais/rurais e 2 psiquiátricos, enquanto o grosso número é composto por centros e postos de saúde, segundo pesquisas feitas pelo Observatório Cidadão para a Saúde.
Milhares de doentes não conseguem chegar às unidades sanitárias
O facto é que durante as manifestações populares pós-eleitorais em curso, muitas destas unidades sanitárias ficaram afectadas e, por conseguinte, a situação refletiu-se sobre os utentes, com destaque para aqueles que padecem de doenças crónicas que necessitam de um atendimento mais especializado e contínuo. No actual contexto, há milhares de doentes que não conseguem chegar às unidades sanitárias para tratamentos localmente ou receber medicamentos para uso domiciliar.
O drama destes grupos, segundo constatou o Observatório Cidadão para a Saúde, é maior e agravado pelas dificuldades de acesso aos hospitais devido ao contexto das manifestações populares em curso no país. A informação é referente ao período 21 de outubro a 7 de Novembro que compreendem a 1ª, 2ª e 3ª fase de manifestações.
Entre os visados pelo impacto negativo das manifestações populares está o jovem de 23 anos, Dércio Cumbane, residente no bairro Magoanine C, na cidade de Maputo. Ele faz tratamento de hemofilia há cerca de seis anos, mas falhou o tratamento durantes o período inicial das manifestações, 21 a 31 de Outubro, devido a dificuldades de chegar ao serviço de hematologia do Hospital Central de Maputo, uma vez que as vias estavam bloqueadas pelos manifestantes.
Na altura, segundo conta, precisava ir ao hospital porque estava a passar muito mal, mas teve de recorrer a uma farmácia privada, gastando os poucos recursos que tinha.
Tal como Dércio, em todo o país, 75 pacientes com hemofilia ficaram privados de chegar aos hospitais para o tratamento, tendo 14 dos quais ficado com saúde mais debilitada, entre os dias 21 de Outubro a 7 de Novembro, períodos que compreendem a 1ª, 2ª e 3ª fase de manifestações, segundo apurou o Observatório Cidadão para a Saúde na Associação Moçambicana de Hemofilia.
Já no bairro Luís Cabral, quarteirão 36, ainda na capital moçambicana, o Observatório Cidadão para a Saúde encontrou, no sábado, 09.11.2024, uma outra vítima do impacto das manifestações no sector da saúde.
Gás lacrimogénio agrava estado de saúde de Zélina
Trata-se de Zelina Tembe, 54 anos de idade, que sofre de obesidade, diabetes e asma. Ela teve a situação de saúde agravada após inalar gás lacrimogénio lançado pela Polícia no seu quintal, no passado dia 7 de Novembro do presente ano, no decurso das manifestações populares.
Apesar de agravamento do seu estado de saúde, Zelina não conseguiu nem ir ao Hospital José Macamo – que dista a cerca de 2 quilómetros da sua casa – porque a circulação de pessoas e bens estava condicionada devido a barricadas colocadas na Estrada Nacional Número Quatro (EN4) pelos manifestantes que contestam os resultados eleitorais de 9 de Outubro.
“Até hoje estou a medicar para aliviar as dores, uma vez que tenho comprimidos para hipertensão e outros remédios para asma em casa, comprados numa farmácia privada”, explicou Zelina ao Observatório Cidadão para a Saúde, no sábado, 09.11.2024.
Estes casos, acima descritos, estão entre os exemplos do que acontece, no contexto das manifestações populares pós-eleitorais, com vários utentes das unidades sanitárias, um pouco por todo o país.
“Recomenda-se o providenciamento de maior quantidade de medicamentos essenciais para que pacientes possam manter a medicação em casa, especialmente durante períodos de restrição de mobilidade devido a protestos. Esse estoque domiciliar é vital para a continuidade do tratamento de doentes crônicos e a redução de riscos para esses pacientes”.
Doentes Crónicos Registam Retrocesso de Quadro Clínico
As associações de pessoas com doenças crónicas estão alarmadas com agravamento do estado de saúde dos doentes devido a dificuldades de acesso aos serviços de saúde em virtude de manifestações populares. A situação é mais grave sobretudo para doentes que devem se fazer presente com regularidades às unidades sanitárias para o tratamento, caso de doentes em tratamento renal, ou a fazer quimioterapia, entre outros.
Entre a 1ª e 3ª fase das manifestações, por exemplo, 75 pacientes em tratamento da hemofilia não conseguiram chegar a vários hospitais do país devido a dificuldades de circulação na via pública em virtude das manifestações. Deste número, 14 dos pacientes das províncias de Maputo, Sofala, Manica, Tete e Nampula viram o seu estado de saúde piorar. Este tipo de situações compromete os progressos alcançados durante os longos períodos e dolorosos de tratamento, segundo o presidente da Associação Moçambicana de Hemofilia, Nelson Damião.
Por sua vez, a presidente da Associação Moçambicana dos Diabéticos (AMODIA), a Sandra Loureiro, disse que a saúde dos diabéticos poderá atingir níveis lastimáveis de degradação, o que pode culminar em mortes, caso as manifestações continuem a dificultar estes grupos de aceder aos cuidados de saúde em diversas unidades sanitárias.
Durante os intervalos das manifestações, segundo a presidente da AMODIA, muitos doentes chegam aos hospitais com estado de saúde descompensado por causa da interrupção do tratamento nesse período de caos. Devido à gravidade da situação, segundo a mesma fonte, alguns doentes acabam piorando e por isso são levados pelos seus familiares ao Serviços de Urgência dos hospitais.
“Perante estas situações, estamos a tomar algumas licções. Assim, temos alertado os utentes para irem buscar os medicamentos para tomar em casa, quando souberem dos avisos das manifestações”, explicou a presidente da Associação Moçambicana dos Diabéticos, a Sandra Loureiro.
Importa referir que nem sempre há possibilidade de os doentes terem acesso aos medicamentos para continuarem os tratamentos a nível doméstico, dependendo da doença, o que complica mais a situação de alguns doentes. Um dos exemplos é o caso dos doentes em quimioterapia por causa do cancro ou em hemodiálise por causa de problemas de rins. Foi neste contexto que, por exemplo, o serviço de Oncologia do Hospital Central de Maputo, durante os intervalos das manifestações populares, regista enchente de muitos doentes que procuram fazer quimioterapia, uma vez que sabem das dificuldades de mobilidade em determinados períodos.