Severino Ngoenha: A Última Páscoa dos Moçambicanos

Há demasiado tempo que Moçambique vive entre a cruz e o túmulo.

Demasiado tempo que carregamos, geração após geração, uma Sexta-Feira interminável, e um Sábado sem sentido.

A cultura da Sexta-Feira tornou-se a estrutura invisível do nosso quotidiano.

É a cultura do sofrimento elevado à norma.

É o país onde crucificamos os justos, onde perseguimos os diferentes, onde o poder se constrói à custa do sangue do outro.

É a cultura do conflito sem dialéctica, da exclusão sistemática, da política como via-sacra de vinganças, e não de redenção.

Nessa Sexta-Feira eterna, as crianças morrem de fome,

as mulheres morrem de medo, os jovens morrem antes de nascerem para o mundo, e o povo morre de silêncio.

Morre-se por ser ronga, ou maconde, ou sena.

Morre-se por pensar diferente.

Morre-se por querer viver.

E depois… o Sábado.

O Sábado é pior.

Porque já não há grito — só ausência.

É a cultura da morte interior.

A cultura da desistência.

É o tempo onde não se espera mais nada, onde os vivos caminham como sombras, onde os intelectuais se calam,

onde os líderes olham para o chão e os povos se fragmentam em ressentimento.

O Sábado é a nossa autonegação colectiva.

É o tempo onde não há ideias, não há fraternização,

não há futuro.

Só inércia, cinza, cansaço.

Somos um país em Sábado permanente: habitado por mortos-vivos que caminham entre ruínas institucionais.

Mas a história — a verdadeira história — não termina aí.

Há uma outra cultura possível: a cultura do Domingo.

O Domingo da ressurreição é mais do que uma crença religiosa.

É uma decisão filosófica, uma posição ontológica,

um compromisso civilizacional.

É o instante em que o ser humano diz: “A cruz não me define. A morte não me encerra. A ausência não me anula.”

A cultura do Domingo é a cultura do renascimento voluntário.

Não espera que o mundo mude — transforma-se para mudar o mundo.

É uma cultura do encontro e da reconstrução.

É a política como hospitalidade, a economia como redistribuição, a vida como abertura para o outro.

A ressurreição já aconteceu no plano do espírito.

Ela é o fundamento da dignidade.

Mas falta a ressurreição histórica: essa que só pode ser impedida por nós mesmos, pela nossa recusa em negar a cultura da cruz e abraçar, juntos, a construção da luz.

É tempo — último tempo —de dizermos: “Basta!”

Não a um basta violento.

Mas a um basta fundador.

Basta de guerra.

Basta de tribalismo.

Basta de discursos vazios.

Basta de governos sem alma.

Basta de povo sem corpo político.

Ergamo-nos como quem já ressuscitou.

Transformemos as instituições em instrumentos de comunhão.

Eduquemos para a luz.

Politiquemos para a vida.

Sonhemos com horizonte — não com vingança.

Porque se não construirmos a cultura do Domingo,

não haverá mais Sexta-Feiras,

nem Sábados,

nem país.

A última Páscoa dos Moçambicanos será aquela em que decidirmos ressuscitar.

Ou a última em que aceitarmos continuar mortos.

Texto de Severino Ngoenha