Armando Guebuza assiste a leitura da sentença
A leitura da sentença do Caso das Dívidias ocultas iniciou as 9 horas e vinte minutos, com a presença do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, que para além de ter sido arrolado como declarante no processo é pai do réu Ndambe Guebuza. O processo do Caso das DÍvidas ocultas têm 1388 páginas e é lida na íntegra pelo juiz Efigénio Baptista.
Os réus do caso são acusados pelo Ministério Público moçambicano de envolvimento num esquema que defraudou o Estado em mais de 2,7 mil milhões de dólares (2,6 milhões de euros) de dívida contraída junto de bancos internacionais, entre 2013 e 2014.
Os 19 réus são Teófilo Nhangumele, 51 anos de idade à data da instauração do processo; Bruno Langa (42); Cipriano Mutota (62), um oficial do SISE; Armando Ndambi Guebuza (43), filho do antigo Presidente da República Armando Guebuza; Gregório Leão (61), antigo director-geral do SISE; António Carlos do Rosário (45), então director nacional de Inteligência Económica do SISE e presidente do Conselho de Administração das Empresas PROÍNDICUS, EMATUM E MAM; Ângela Buque Leão (42), esposa de Gregório Leão; Fabião Mabunda (41); Sidónio Sitoe (48); Crimildo Manjate (39); Mbanda Duque Henning (44); Inês Moiane (51); Renato Matusse (62), antigo Conselheiro do Presidente Armando Guebuza; Zulficar Ahmad (47); Khessaujee Pulchand (38); Simione Mahumane (47); Naimo Quimbine (40); Sérgio Namburete (59); e Elias Moiane. O julgamento contou ainda com 70 declarantes.
Os empréstimos corruptos foram contraídos dos bancos Credit Suisse e VTB. A promotoria delineou o tópico de subornos e links.
Algumas passagens do julgamento:
Cipriano Mutota disse que 360 milhões de dólares era orçamento inicial do projecto
Cipriano Mutota, antigo director de Estudos e Projectos do Serviço de Investigação e Segurança do Estado (SISE), foi quem inaugurou o julgamento. Soube-se no julgamento que foi quem recebeu em primeira mão a proposta do Projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva de Moçambique, trazida pela representante da Abu Dhabi Mar LC, do grupo Privinvest, na África do Sul, Batsetsane Thlokoane, através de Teófilo Nhangumele.
Mutota afirmou que o projecto da protecção marítima da Zona Económica Especial, que deu origem ao calote das chamadas dívidas ocultas, estava avaliado em 360 milhões de dólares, e não tem conhecimento sobre as razões que levaram o custo final a atingir os dois mil milhões de dólares.
Acrescentou que a Proíndicus vinha responder a uma missão que tinha sido incumbida pela direcção do SISE, sobre as ameaças ao Estado, que apontava para a ocorrência de terrorismo, raptos, pesca ilegal, de entre outros crimes.
Disse ainda que o orçamento inicial já incluía uma “propina” de 50 milhões de dólares, que Jean Boustani, empresário libanês, em nome da Abudabi Mar, prometera pagar às figuras envolvidas na facilitação da aprovação do projecto. O projecto financeiro foi submetido ao gabinete do então Ministro das Finanças, Manuel Chang, que indicou a então directora nacional do Tesouro, Isaltina Lucas, para dar assistência na organização e estruturação das contas.
Gregório Leão reiterou que as empresas EMATUM e ProIndicus tinham objectos distintos
Gregório Leão, antigo director geral do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), e António Carlos do Rosário, são tidos como chaves importantes do processo, pois esperava-se deles revelações detalhadas sobre o que realmente aconteceu no escândalo financeiro que caloteou Moçambique durante o último mandato do antigo Presidente da República, Armando Guebuza.
Gregório Leão, afirmou que as empresas ProIndicus e a Moçambicana de Atum (EMATUM SA), esta última criada pelo Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), tinham objectivos distintos, mas negou entrar em detalhes sobre a EMATUM, alegando questões de segurança do Estado.
A ProIndicus tinha como objeto social principal a atividade de segurança marítima, principalmente no setor de gás e petróleo offshore, enquanto que a EMATUM tinha como objeto social principal a atividade de pesca.
Gregório Leão disse que a lei que cria o SISE está clara quanto a esta matéria, “é preciso ocupar o espaço sem limites, para poder-se buscar toda a informação necessária. Nós, se estamos reunidos neste tribunal e tudo a funcionar bem, é porque alguém está a fazer o seu trabalho. Pode a digníssima Sheila Marengule não entender as actividades do SISE, mas também não vou detalhar qual é a actividade concreta que havíamos de fazer, porque é actividade de inteligência”, explicou.
Leão declarou amor à sua esposa:
No mesmo julgamento, Gregório Leãorenovou hoje, em sede do tribunal, os votos de amor à sua esposa, Ângela Leão, também ré, ao afirmar que “amo a minha mulher, é a ela que eu escolhi e não quero mais ninguém”, e não vai ser isto que me vai perturbar.
Gregório Leão fez estas declarações depois que ficou a saber a partir do tribunal que a sua esposa havia comprado uma casa que custou 900 mil dólares. Tudo começou quando o réu foi solicitado pelo Ministério Público a debruçar-se sobre a casa do casal, supostamente comprada com o dinheiro das dívidas ocultas.
Gregório Leão disse que mesmo assim não iria considerar que a esposa mentiu para ele, e se mentiu foi por algum propósito, “reitero que isso não vai me abalar porque eu confio nela, eu amo a minha mulher, é a ela que eu escolhi e não quero mais ninguém, quero a ela e não vai ser isto que me vai perturbar, porque ela sempre teve seus negócios”, disse Leão reiterando a sua confiança pela esposa.
O réu salientou que a sua esposa é uma mulher muito empreendedora, batalhadora e com ideias muito inovadoras. “Portanto, é uma vida privada nossa e não sei o que significa quando a nossa vida privada é exposta aqui no tribunal”.
Nhangumele admitiu ter recebido oito milhões de dólares
Considerado uma das figuras-chave no processo das dívidas ocultas, o arguido Teófilo Nhangumele admitiu durante o julgamento que Ndambi Guebuza terá recebido 33 milhões de dólares da Privinvest e ele próprio oito milhões.
Lembre-se que a audiência de Teófilo Nhangumele durou pouco mais de dez horas. Nhangumele identificou-se como intermediário no negócio entre o Governo moçambicano e a Privinvest, uma das empresas envolvidas no escândalo das dívidas ocultas.
Em tribunal, o arguido negou ter sugerido o pagamento de “luvas” para que as entidades governamentais flexibilizassem a criação de um projeto para a proteção da Zona Económica Exclusiva, de que a Privinvest e outras empresas tirariam proveito.
“Uma das maneiras de fazer com que as pessoas percebam o que nós queremos implementar é levá-las a viajar para verem as potencialidades e os equipamentos. Esse é que era o pensamento. Massajar o sistema é exatamente isso”, argumentou Teófilo Nhangumele. “Por exemplo, se queremos obter uma aprovação do Governo, podemos levar membros do Governo a assistir a uma conferência internacional sobre pirataria. Então, ao processo de educar as pessoas de modo a tomar decisões informadas e lúcidas chama-se massajar o sistema”, acrescentou.
Mas o Ministério Público entende que “massajar o sistema” foi um esquema de pagamento de subornos a entidades governamentais para que o projeto fosse aprovado.
Ndambi Guebuza negou ter feito parte do roubo
Ndambi Guebuza, outro réu importante no processo, escusou-se de responder as perguntas do tribunal, remetendo a resposta a Filipe Nyusi, Presidente da República, nos seguintes termos: “O ex-ministro da Defesa (Filipe Nyusi) é a melhor pessoa para responder sobre os danos causados ao país” disse Ndambi, por duas vezes.
Para além de rejeitar ter recebido os 33 milhões de dólares, o réu Ndambi Guebuza, negou ter feito parte da elaboração do projecto que veio a lesar o estado moçambicano em cerca de 2.2 mil milhões de dólares.
O Projecto de protecção da Costa Moçambicana estava avaliado inicialmente, em cerca de 360 Milhões de dólares, sendo que não ficou claro como é que chegou aos 622 milhões de dólares.
Na audição feita, o réu Teófilo Nhangumele, confirmou em sede do tribunal, que os 50 milhões de dólares da Privinvest, foram distribuídos por três, sendo que ele ficou com 8.5 milhões de dólares, igual valor de Bruno Langa e Armando Ndambi Guebuza ficou com 33 milhões de dólares.
O juiz da Causa, Efigénio Baptista, confrontou o réu Armando Ndambi Guebuza com estas informações, que negou igualmente qualquer tipo de relação com o réu Teófilo Nhangumele.
Lembre-se que Ndambi Guebuza disse que a sua detenção era ilegal, considerando que há motivações políticas no processo. O mesmo foi defendido pelo seu advogado Isálcio Mahanjane, em declarações à comunicação social que falou nos seguintes termos: “Arrisco-me a dizer que as motivações são políticas”.
Segundo o Ministério Público, entre os diversos crimes que os arguidos terão cometido incluem-se associação para delinquir, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, peculato, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.
Moiane
Lembre-se que a ré Inês Moiane desmaiou na tenda anexa reservada para os réus. Ela não gozava de boa saúde. No total foram seis os réus que tiveram problemas de saúde na tenda da B.O durante o julgamento.
No mesmo dia, o réu Zulficar Hamad, implorou para que o juiz o deixasse abandonar a sessão para se dirigir ao hospital por não se sentir bem. Outra ré que também apresentou problemas de saúde é Ângela Leão que terá tido uma queda no estabelecimento prisional onde se encontra encarcerada, na Cadeia Civil de Maputo. Na altura especulou-se que parece tratar-se de um problema neurológico.
259 milhões de dólares para aquisição de 36 barcos
Segundo o Ministério Público (MP), foram adquiridos 36 barcos por 259 milhões de dólares (16,5 mil milhões de meticais), quando se podia ter pago 72 milhões de dólares (4,6 mil milhões de meticais), mais de 187 milhões de dólares de subfacturações.
Para um outro modelo de barcos, o MP referiu que foi pago mais de 32 milhões de dólares( dois mil milhões de meticais) por cada unidade, quando no mercado custava pouco menos de oito milhões de dólares (512 milhões de meticais).
Ou seja, por três embarcações foram gastos 98 milhões de dólares (6,2 mil milhões de meticais) quando se podia gastar 24 milhões (1,5 mil milhões de meticais).
Segundo fez referência a representante do MP, Ana Sheila Marrengula, citando os autos, uma das embarcações custou mais de sete milhões de dólares (448 milhões de meticais) quando, segundo os especialistas, o preço do mercado era de pouco mais de dois milhões (128 milhões de meticais).
Alexandre Chivale é um dos administradores da empresa Txopela
O réu António Carlos do Rosário, revelou durante o julgamento que foi ele que mandou criar a empresa Txopela Investimentos, sob chancela do SISE, com o objectivo de atrair investimento privado para Moçambique, assim como desenvolver actividades de inteligência económica do estado.
António do Rosário disse que a Txopela é uma empresa operativa do SISE, mas com proprietários privados estrangeiros. O réu disse que inicialmente fez parte do corpo de accionistas, juntamente com outros dois quadros do SISE, cujos nomes não aceitou citar. Também disse não se recordar da percentagem da participação social dos mesmos, assim como dos membros da mesa da Assembleia Geral, mas revelou que Alexandre Chivale, seu advogado é um dos administradores da empresa e membro da secreta.
Ângela Leão tornou a audição tensa e negou seu envolvimento com as dívidas que lesaram o país
A ré Ângela Leão, esposa do antigo Director Geral do SISE, Gregório Leão, também réu no processo das dívidas ocultas, negou durante o julgamento qualquer envolvimento no processo das dívidas ocultas e acusou as autoridades do Estado e Governo, de perseguição a si, seu esposo e sua família.
A ré que tornou a audição tensa, chegou a pedir ao Juiz Efigênio Baptista para se focar nas matérias relacionadas as dívidas ocultas e não na sua vida particular.
Ângela, de 44 anos de idade disse que nunca esteve envolvida com as pessoas que contrataram as dívidas ocultas, salientando não ter dúvidas que está presa por causa do seu esposo.
Com a resposta na ponta da língua, Efigenio Baptista explicou que se assim fosse, estariam presas também as esposas dos réus Teofilo Nhangumele; Cipriano Mutota; Bruno Langa; Armando Ndambe Guebuza, Fabiao Mabunda e António Carlos do Rosário.
Ângela que responde pelos crimes de associação criminosa, branqueamento de capitais, burla e outros, não quis dar esclarecimentos a questões relacionadas com vários imóveis da sua propriedade, que se alega serem resultantes do valor do calote.
“Então eu não gostaria de responder sobre as dívidas não declaradas e acho que as perguntas que estou a ser feita aqui, deviam ser feitas as pessoas que contrataram as dívidas e “Certamente eu não faço parte destas pessoas”.