O Observatório do Meio Rural (OMR), publicou ontem (10 de Agosto), o resumo do seu estudo intitulado “Do inimigo sem rosto”, à hipótese do dialogo: identidades, pretensões e canais de comunicação com os machababos, no qual procura apresentar alguns líderes dos machababos (terroristas), descrevendo o seu trajecto biográfico e respectivas funções no grupo.
Num segundo momento, o estudo explica a existência de um projecto político insípido e incoerente, assente em interpretações fundamentalistas do Islão e na exploração de sentimentos de injustiça e de exclusão social.
Finalmente, demonstra-se a existência de canais de comunicação entre os machababos e as populações, mas também com o Estado moçambicano, durante a negociação e pagamento de resgates. O texto demonstra que podem ser criados espaços de negociação, desde que haja vontade política, de ambas as partes, para dialogar.
Segundo o estudo, que a ZEBRA teve acesso, não se pretendendo negar a relevância de uma intervenção militar, com o objectivo de garantir a ordem pública e a segurança das populações e respectivas propriedades, ao longo do texto pretende-se demonstrar que, estão reunidas condições para se planear uma negociação com o grupo rebelde.
Neste sentido, depois de se descrever o percurso biográfico de alguns cabecilhas do grupo, largamente conhecidos na região, explicam-se as suas reivindicações e descrevem-se alguns canais utilizados na comunicação com o exterior.
De acordo com o OMR, este documento resulta de informação recolhida a partir de 32 entrevistas a indivíduos raptados (a esmagadora maioria mulheres), mas também a antigos vizinhos, professores, superiores hierárquicos e colegas das pessoas analisadas.
Grande parte dos entrevistados conviveu com os indivíduos em causa antes do processo de radicalização ou durante o seu cativeiro, pelo que as informações fornecidas permitem traçar perfis biográficos e características comportamentais dos líderes do grupo rebelde.
Os rostos dos rebeldes
Segundo o documento, não obstante a presença de estrangeiros, a esmagadora maioria dos membros do grupo são moçambicanos, oriundos maioritariamente dos distritos de Mocímboa da Praia, Palma, Macomia e Quissanga, mas também do planalto de Mueda, do litoral de Nampula e da província do Niassa, entre outras regiões.
Segundo as estimativas, o número efectivo de membros tem sido variável, oscilando entre os 1000 e os 2000 homens. Os ataques a pequenas aldeias são realizados por grupos de dimensões reduzidas, compostos sobretudo por cidadãos moçambicanos.
Nos ataques a Mocímboa da Praia e a Palma o grupo recorreu a mercenários estrangeiros, grande parte oriundos da Tanzânia, existindo referências a indivíduos “brancos” entre os machababos . Não obstante a existência de um comando central que coordena ataques, o grupo possui várias chefias intermédias, com poderes diversos e com relativa autonomia, permitindo alguma iniciativa.
Entre os líderes moçambicanos do grupo estão claramente sobrerepresentadas as populações da costa, entre Palma e Macomia, geralmente falantes de mwani. O poder dos indivíduos tende a advir do domínio do Islão, contactos internacionais e capacidade militar. Os líderes de topo vão trocando de nome, razão porque podem aparecer conhecidos de diferentes formas. Em função do simbolismo islâmico, os sucessivos nomes vão traduzindo o poder do indivíduo no seio do grupo. A partir dos relatos de pessoas que foram raptadas e que conviveram com os líderes dos machababos, é possível identificar algumas lideranças, por volta de Abril de 2021, onde consta, inclusivamente, uma mulher.
Bonomado Omar
O líder do grupo é largamente conhecido na região, ainda que por vários nomes. Textos jornalísticos (CJI, 14.09.2020) referenciam-no por Bonomado Machude Omar ou Ibn Omar, aparecendo também designado por Omar Saíde ou Sheik Omar. Os relatos sugerem que Omar foi trocando frequentemente de nome, sendo actualmente conhecido por Nuro Saíde ou Abu Surakha. Omar nasceu em Palma no povoado de Ncumbi e, aos 5 anos, ficou órfão de pai. A família viajou para Mocímboa da Praia e a mãe juntou-se com outro homem, localmente conhecido por Mze Tchidi. O padrasto introduziu Omar no Islão, que foi estudando e aperfeiçoando. Finalizou a 10ª classe na Escola Secundária Januário Pedro em Mocímboa da Praia e, de acordo com antigos professores, era um jovem calmo, bom aluno e bom jogador de futebol.
Depois de atingir a maioridade, cumpriu o serviço militar na marinha em Pemba, findo o qual residiu no internato do African Muslim, finalizando a 12ª classe. Torna-se um elemento carismático junto de outros jovens, conhecido pelo seu sentido de justiça e de proteção dos mais novos. Um dos seus passatempos era jogar futebol. Devido à estatura elevada (entre 1,80 e 1,90m) e pelo facto de jogar no meio campo, adquiriu a alcunha de Patrick Vieira¹. Por volta de 2008 e 2009 trabalhou no mercado Maringué em Pemba, onde vendia hortícolas e roupas muçulmanas, por conta de um comerciante estrangeiro (as versões variam entre tanzaniano e somaliano).
Viajou para a Tanzânia e para a República da África do Sul. Regressou a Mocímboa da Praia onde dinamizou uma mesquita e uma barraca de venda de quinquilharias, adquiridas em mercados tanzanianos ou na cidade de Pemba. Participou nos primeiros ataques a Mocímboa da Praia e refugiou-se nas matas.
Pela sua habilidade militar e capacidade de camuflagem adquiriu localmente a alcunha de “ Rei d a Flo r e s t a ”. Constitui actualmente o líder do grupo em Moçambique, assim como o elo de ligação com o exterior², recentemente confirmado pelo US Department of State (Blinken, 06.08.2021). Omar demonstra capacidade de comando, carisma e liderança, ditando as regras e decidindo onde e como atacar, assim como quem se deve assassinar. É a Omar que se recorre perante situações mais delicadas. Omar destaca-se como bom nadador.
Futebol, alcorão, condução de veículos e manuseio de material bélico constituem as suas grandes paixões. Tem três esposas nas matas de Cabo Delgado e vários filhos menores, inclusivamente na cidade de Pemba. À noite, circula com uma lanterna de mineiro na cabeça, por vezes com uma escolta de motas atrás de si. Os que o acompanham são geralmente mais velhos e experientes. Por vezes, é visto trajando “ r o u p a m u ç ulm a n a p r e t a ”. Trata-se da figura central de um vídeo filmado em Mocímboa da Praia em Março de 2020, aquando da invasão à cidade, aparecendo a falar em suaíli para a população local, explicando os objectivos do grupo.
Omar coordenou o ataque a Palma em Março de 2021 e envolveu-se directamente no processo de negociação de resgates. É conhecido por ter bastantes relações em vários distritos de Cabo Delgado, inclusivamente no exército moçambicano. Para além do suaíli, língua com a qual mais se identifica, Omar exprime-se fluentemente em macua, maconde e português.
Mustafá
É conhecido por ser o executivo de Omar, passando instruções no terreno, oriundas do comandante. Tem baixa estatura (cerca de 1,55m de altura). A sua língua materna é o mwani e fala fluentemente o suaíli, e um pouco de português. Nasceu em Mocímboa da Praia onde cresceu e frequentou a escola primária. Residiu no bairro Milamba, perto do campo de futebol do Benfica, onde tinha uma barbearia, sendo localmente conhecido pelo seu apelido maconde Shinpwateka. Durante um período de tempo Mustafá residiu em Palma, jogando para o clube de futebol local, tendo depois regressado a Mocímboa. Foi visto no ataque a Palma de Março de 2021, actuando sempre próximo de Omar, transmitindo ordens e identificando, entre as pessoas capturadas, aqueles elementos que, pelas suas competências profissionais, pudessem ser importantes para o grupo, nomeadamente jovens com o serviço militar cumprido, médicos, enfermeiros, mecânicos ou motoristas.
Maulana Ali Cassimo
Maulana é o nome próprio, constitui um dos comandantes mais destacados pelos indivíduos que estiveram em cativeiro, pelo facto de se apresentar como engenheiro agrónomo. De acordo com as testemunhas, trata-se de um indivíduo inteligente, bem articulado na língua portuguesa e com capacidade argumentativa. Maulana é um indivíduo claro, com cerca de 1,70m de altura. É natural de Lichinga, tendo concluído o curso médio de Agropecuária, no Instituto Agrário nesta cidade. É classificado de “ bom aluno ” por ex-professores. Trabalhou para a Mozambique Leaf Tobacco em Tete e em Cuamba. Alegadamente, foi após ter estado preso pela polícia (por não ter licença de condução) que ingressou no aparelho do Estado. Entre 2014 e 2017 foi técnico de Extensão Agrária no SDAE de Mecula. Devido ao seu envolvimento e dedicação na sua área de extensão, Maulana chegou a ganhar um prémio provincial. É descrito como carismático e com muita aceitação junto dos produtores. Ficou conhecido entre os colegas por ser rigoroso nos preceitos islâmicos (rezando cinco vezes ao dia) e por ser profissionalmente “activo” e “agitado”. É recordado por ter demonstrado, várias vezes, a sua revolta em relação à atitude das autoridades para com garimpeiros (em Mariri, na localidade de Mbamba) e caçadores furtivos na reserva do Niassa.
Os colegas destacam a veemência com que criticava a extorsão de bens e detenção de jovens garimpeiros, justificando que a agricultura não constitui uma actividade rentável e que os jovens não dispunham de outras alternativas. Em defesa dos garimpeiros, com quem tinha relações, insurgia-se
abertamente contra as autoridades do distrito, inclusivamente contra o Administrador e Secretário Permanente. A partir de 2016 envolve-se na organização de uma mesquita e perde interesse pela sua actividade profissional. A radicalização do discurso, incluindo a proibição de crianças de frequentarem a escola, levou ao encerramento da mesquita pelo Estado. Neste processo foi impedido de utilizar a motorizada do SDAE (que colocava ao serviço das suas actividades religiosas) gerando-lhe um grande descontentamento e revolta. Em Julho de 2017 abandonou o posto de trabalho e deixou de ser visto em Mecula. Os colegas foram informados que se tinha dirigido para Cabo Delgado para receber formação religiosa, para posteriormente abrir uma mesquita em Mecula, onde iria receber um subsídio de 60 mil meticais, bem superior ao salário que auferia do Estado. Com o início do conflito armado, juntou-se aos insurgentes nas matas de Mocímboa da Praia, tal como muitos outros jovens de Mecula. A esposa ainda tentou juntar-se ao marido em Cabo Delgado, mas foi detida pela polícia nesse processo, residindo actualmente em Lichinga com os seus dois filhos, assim como a família do marido. Maulana participou nos ataques a Mocímboa da Praia e a Palma.
Rosa Cassamo
Rosa Cassamo nasceu em Cabo Delgado, em distrito que desconhecemos. Antes de aderir ao grupo rebelde possuía três enormes machambas. É descrita como uma mulher clara e bonita, mãe de cinco filhos, entre os quais três meninas. Duas das suas filhas foram prematuramente casadas por insurgentes e levadas para as matas. Rosa foi chefe de logística em Ilala e Mucojo (distrito de Macomia) e, através da posição do seu marido, Ibraimo Mussa³, adquiriu poder e influência local. Hoje é considerada de mãe, no seio de insurgentes, desempenhando um papel importante na mobilização de várias mulheres do seu povoado, para ingressassem na insurgência. Entre os rebeldes, Rosa é considerada a “rainha da magia negra”, existindo rumores de práticas mágico-tradicionais, envolvendo relações sexuais com guerrilheiros, como forma de reavivar poderes mágicos (prática dominada de “ freemason ”).
O que proclamam e o que praticam?
Exceptuando algumas comunicações pela agência AMAQ (agência oficial do Estado Islâmico), o grupo não aposta na comunicação formal com o exterior. Os canais utilizados para apresentarem as suas reivindicações consistem, sobretudo, em pequenas palestras após os ataques, em sessões de doutrinação com indivíduos capturados, mas também mensagens e pequenos vídeos, que circulam pelas redes sociais. A partir das mensagens difundidas nesses momentos, é possível perceber que o grupo reclama a prática de um Islão fundamentalista, apesar de não deter uma elaboração teológica sofisticada ou uma ideologia política bem definida.
O grupo adopta um discurso propagandístico antigovernamental, criticando as políticas do governo de Moçambique, que consideram responsável pela exclusão social e pela injustiça. Problemas como o desemprego, a pobreza e desigualdades, a corrupção generalizada, a injustiça social ou a exclusão política, são considerados consequências da democracia. A democracia é apresentada, literalmente, como um sistema que permite que os ricos se tornem mais ricos à custa dos pobres. De acordo com o grupo, a solução para o caos social reside no derrube do Governo e na adesão áquilo que se poderia designar de Sharia (Lei islâmica).
Desta forma, o grupo proíbe a frequência de escolas oficiais, sendo as madrassas o espaço admissível de aprendizagem. Proíbe-se o pagamento de impostos, a participação em processos eleitorais ou recenseamentos demográficos. O grupo proíbe a detenção de bilhete de identidade, que são retirados às populações raptadas e destruídos, não obstante alguns sejam conservados por motivos estratégicos, de infiltração e camuflagem. As pessoas são abertamente proibidas de participar nas cerimónias do Governo (vulgo “ reuniões dos kafirs ” ou “ r e u niõ e s d o s p o r c o s ”) e o grupo incita a população a insurgir-se contra as estruturas políticoadministrativas. O grupo proíbe a veneração ao Chefe de Estado, considerando haraam (pecado) a atitude de idolatração do Presidente da República.
Os machababos fazem a apologia de práticas de caridade e de assistência aos necessitados, ainda que de forma incoerente. Durante as primeiras semanas de ocupação a Mocímboa da Praia, indivíduos acamados, que não conseguiram deixar a cidade, foram assistidos em termos alimentares. Relatos referem a realização de diagnósticos médicos rudimentares a indivíduos recém-capturados que se apresentam queixosos, sendo dada assistência medicamentosa (geralmente paracetamol) e servida uma refeição. Porém, existem relatos de abandono de pessoas doentes, normalmente por questões militares.
O roubo é punido com a amputação de membros, conforme alegam estar definido no Alcorão. Condena-se o vestuário de influência Ocidental. Os homens são orientados a usarem calças largas, com limites entre os joelhos e os tornozelos, assim como lenço em redor do pescoço e da cabeça. As mulheres devem cobrir todo o corpo.
A mulher ocupa uma posição central para os machababos. A mulher é frequentemente valorizada pelo seu papel de mãe e de educadora, e pela sua função de transmissão de uma interpretação do Islão considerada correcta. Ao contrário de muitos homens que estiveram raptados (que assistiram ao assassinato de colegas e amigos), muitas mulheres são poupadas a situações de violência. A poligamia constitui uma prática aceitável, pelo que muitos homens têm frequentemente várias mulheres, quer como esposas, quer como escravas. As segundas têm como função a realização de tarefas domésticas (limpar, lavar ou varrer), podendo ser usadas para satisfação sexual ou serem vendidas.
O discurso religioso é articulado com um discurso nacionalista (“ Implementar a religião muçulmana, porque a terra é nossa ”) e de primazia dos locais no acesso aos recursos de poder. De forma populista, durante as palestras é referido que o grupo pretende controlar a “ c a m p u ni ia m a f u t a ” (empresa de petróleo) e distribuir os empregos pelos “ donos da terra ”, ao invés dos “ k a fir s d e M a p u t o ”. De acordo com os que participaram nas sessões de doutrinação, a apologia da primazia aos locais na distribuição de empregos constitui o argumento mais sedutor. Em termos de reivindicação territorial, os discursos são contraditórios, existindo relatos de intenção de ocupar a área de Linde (em Mtwara) até Pemba; outras vezes, toda a província de Cabo Delgado; e, outras vezes, todo o país. O facto de o núcleo duro do grupo ser maioritariamente de Mocímboa da Praia, confere a esta cidade um particular simbolismo para os machababos .
Os canais de comunicação utilizados
Não obstante a violência dos ataques, o terror provocado e a partida massiva de centenas de milhares de pessoas, a realidade é que existem canais de comunicação entre o grupo dos machababos a partir das áreas por si ocupadas, quer com a população deslocada (geralmente familiares, vizinhos ou membros do grupo infiltrados), quer com funcionários do Estado moçambicano.
A interacção com funcionários do Estado moçambicano processa-se, geralmente, aquando da negociação do pagamento e entrega de resgates. Após o ataque a Mocímboa da Praia ou após o ataque a Palma, o grupo prendeu vários cidadãos estrangeiros, a quem foram exigidas quantias monetários em troca da libertação. Quer o processo de diálogo e negociação, quer o processo de entrega dos valores e libertação dos estrangeiros em cativeiro, foi coordenado por altos quadros do Ministério do Interior e dos Serviços de Inteligência, inclusivamente com o conhecimento das milícias locais (Nhantumbo, 14.05.2021).
Como em qualquer guerra de guerrilha, a interacção entre os machababos e a restante população é intensa, ainda que em profundo segredo. É um facto que os familiares dos insurgentes temem represálias das populações e das forças de defesa e segurança, insistindo que nada sabem, evitando o assunto ou mudando de área de residência. Contudo, indivíduos residentes em Nampula ou Pemba relataram que foram contactados por familiares residentes nas matas ocupadas pelos machababos , a partir de vários números de telefone. Outros relatos referem um indivíduo deslocado de Mocímboa da Praia para a província de Nampula, contactado telefonicamente pela sua esposa raptada pelos machababos . A esposa prometeu-lhe o envio de uma quantia monetária via Mpesa, para apoio dos filhos em comum, que residiam com o pai. Vários entrevistados suspeitam de actividades de táxi-mota realizadas em Pemba e financiadas a partir das acções dos machababos . Nos centros de deslocados constatam-se muitas famílias monoparentais chefiadas por jovens mulheres que não conseguem explicar o paradeiro dos seus maridos. Em Maio de 2021 circulou uma mensagem por muitos habitantes de Mocímboa da Praia, escrita em Suaíli, onde se pedia o regresso a Mocímboa da Praia.
Durante muito tempo, a circulação dos insurgentes das matas para as zonas controladas pelo Estado foi frequente, pernoitando em casa de familiares em Mocímboa da Praia, Palma e Macomia. Indivíduos que escaparam de Mocímboa da Praia, para onde tinham sido sequestrados após o ataque a Palma em Março de 2021, vieram a reconhecer rebeldes em Quitunda, revelando a capacidade dos machababos de infiltração junto da população. Informações disponíveis permitem concluir que vários familiares dos machababos foram detidos e interrogados, nos últimos meses, pelas forças de defesa e segurança. As evidências demonstram que o Estado tem consciência de intensos canais de comunicação, que, inclusivamente, explora para recolher informações, no âmbito do seu esforço de investigação criminal.
Complementar a via militar com reformas e dialogo – reflexões finais
Ao invés de reconhecer a existência de problemas sociais internos, habilmente capitalizados pelos insurgentes para o seu esforço de guerrilha, promovendo reformas e abrindo canais de comunicação, o Governo de Moçambique vem privilegiando uma estratégia militar. Nas últimas semanas, foi anunciado um grande contingente militar estrangeiro, oriundo do Ruanda e da SADC, e consolida-se uma operação de grande envergadura sobre uma área de cerca 30.000 km2, maioritariamente composta por floresta densa, onde o inimigo demonstra capacidade de camuflagem.
A história militar contemporânea de Moçambique demonstra que, operações de grande envergadura contra grupos de guerrilheiros – nomeadamente a operação Nó Górdio promovida pelo exército português contra a Frelimo⁴; ou as várias operações conduzidas contra a Renamo⁵ – traduziram-se na dispersão territorial dos guerrilheiros em pequenos grupos, misturando-se com a população e abrindo novas frentes de combate, com maiores níveis de violência. Enfrentando a relutância em negociar com o que se designavam de “ terroristas ” ou “ b a n did o s a r m a d o s ”, os conflitos anteriores arrastaram-se por mais de uma década, acabando por terminar, não pela via militar, mas numa mesa de negociações.
Este texto pretende demonstrar que, contrariamente ao discurso oficial, os líderes moçambicanos do grupo dos machababos são largamente conhecidos por populações do Nordeste de Cabo Delgado (por líderes religiosos e comunitários, antigos professores, vizinhos e familiares), inclusive pelas Forças de Defesa e Segurança.
Não obstante a existência de ligações externas, a enfatização da ideia de “ t e r r o ris m o in t e r n a cio n al ” e de inimigo “ sem rosto ” não tem permitido enfrentar uma realidade politicamente incómoda: a existência de milhares de jovens moçambicanos que se insurgem contra o Estado, acusando-o de responsável pela exclusão e injustiça, proclamando uma forma alternativa de organização social com base em preceitos religiosos radicais. Neste cenário, considera-se que, complementarmente à via militar, uma estratégia de resolução do conflito poderá passar por:
– Reforço dos serviços de inteligência (envolvendo mulheres nesse sentido), identificando os líderes e respectivas ligações externas, explorando dissidências internas, identificando redes de contacto e explorando canais de comunicação com os rebeldes;
– Realização de estratégias de contrainsurgência, promovendo canais de participação social, alargando o acesso à justiça;
– Criação de modelos de desenvolvimento assentes em trabalho intensivo, apoiando actividades económicas geradoras de empregos e rendimentos, alargamento dos canais de participação e de acesso à justiça, diminuindo o potencial de recrutamento para grupos violentos;
– Exploração de canais negociais com os insurgentes, capacitando e envolvendo líderes locais, possibilitando condições para ajuda humanitária de civis, libertação de pessoas raptadas, promovendo amnistias e mecanismos de acesso aos recursos naturais, valorizando a importância do Islão na sociedade moçambicana.