Quénia: Sobe para 22 o número de mortos e irmã de Barack Obama está entre manifestantes

E o Presidente do Quénia, William Ruto garantiu à nação que o governo mobilizou todos os recursos à disposição do país para garantir que uma situação desta natureza não se repita, a qualquer custo.

Polícia queniana trocou tiros ontem, em Nairobi, com manifestantes que protestam contra o projeto de lei do governo para subir impostos. Como resultado dos confrontos, 22 pessoas perderam a vida e mais de 50 contraíram ferimentos, incluindo jornalistas.

A ativista queniana Auma Obama, irmã do ex-presidente americano Barack Obama, estava entre os manifestantes atingidos por gás lacrimogêneo durante o protesto desta terça-feira.

As imagens do momento foram capturadas pela emissora americana CNN diante do Parlamento nacional em Nairóbi, onde legisladores votavam um projeto que aumentaria os impostos do país, que sofre com uma grave crise econômica, para reduzir o rombo das contas públicas.

Milhares de pessoas invadiram o Parlamento, e a polícia matou cinco dentro do prédio numa troca de tiros. Outras dezenas de pessoas ficaram feridas e partes do edifício, foram incendiadas. Grande parte dos legisladores fugiu por um túnel, enquanto os manifestantes permitiram a saída daqueles que votaram contra a escalada de taxas.

Em meio à confusão, Auma Obama foi entrevistada e disse que estava ali para apoiar os jovens que estavam a manifestar-se pelos seus direitos. Enquanto ela falava, um homem atrás dela carregava um cartaz que dizia: “O colonialismo nunca acabou no Quênia”, enquanto outro gritava: “Este é o nosso país. Esta é a nossa nação”.

 Revolta geral

As manifestações foram desencadeadas pelo avanço de um projeto de lei que busca reverter o déficit dos cofres públicos, com objetivo de arrecadar US,7 bilhões (cerca de R,6 bilhões) por meio de impostos. A lei financeira, proposta em meio a uma crise econômica no país, também inclui uma taxa ecológica que elevaria o preço de bens como papel higiênico e fraldas.

A presidente da Sociedade Jurídica do Quênia, Faith Odhiambo, disse que 50 pessoas foram “sequestradas” – supostamente por agentes da polícia. Grupos humanitários denunciaram que diversos quenianos que participaram de protestos anteriores desapareceram um dia antes da votação da proposta.

Agora, o projeto de lei será encaminhado ao presidente queniano, William Ruto, que pode assiná-lo ou devolvê-lo ao parlamento se acreditar que o texto precisa de mudanças. Outras cidades e vilas do país também foram palco de protestos.

Crise econômica

Desde a eleição de Ruto, há quase dois anos, o país mergulhou em uma crise provocada pelos impactos da pandemia da Covid-19, da guerra na Ucrânia, de dois anos consecutivos de secas e da desvalorização da moeda local.

O presidente queniano, que está fora da capital Nairóbi, a participar de uma reunião da União Africana, disse no fim de semana que estava preparado para negociar com os manifestantes, elogiando a ação “pacífica” dos protestos.

O governo já havia prometido eliminar os novos impostos propostos sobre pão, óleo de cozinha, propriedade de automóveis e transações financeiras, mas a medida foi considerada insuficiente pelos manifestantes.

 Movimento ocupar parlamento

Formado nas redes sociais e inicialmente liderado pelos mais jovens, o movimento “Occupy Parliament” (Ocupar o Parlamento, em tradução livre) se transformou em um protesto mais amplo ao se opor ao projeto de orçamento para 2024-2025, ou Lei das Finanças de 2024, que contém disposições vistas como encargos adicionais aos cidadãos comuns e às empresas, saturando uma população já sobrecarregada e com uma raiva latente frente ao elevado custo de vida. O governo afirmou que os aumentos de impostos são necessários para pagar a dívida pesada do país e evitar o default.

Em maio, o Quênia registou uma inflação de 5,1% ao ano, com aumentos nos preços de alimentos e combustíveis de 6,2% e 7,8%, respectivamente, segundo o Banco Central. Se aprovado, o projeto aumentará o custo dos produtos essenciais, alguns dos quais são importados de países vizinhos da África Oriental e de outros mais distantes. Entre os produtos atingidos estão ovos, óleo de cozinha e outros bens.

A lei também aumentará os impostos sobre os serviços de transporte e de entrega de alimentos, que empregam muitos jovens, e sobre a utilização do telefone e da Internet.

Cinco dias após o projeto ter sido apresentado, o governo anunciou que algumas propostas controversas estavam sendo retiradas, e o presidente William Ruto prometeu manter as negociações para levar adiante as preocupações. As promessas, porém, surtiram pouco efeito para aplacar a indignação da população, que agora exige a suspensão total do texto, que será votado antes do dia 30.

Os deputados analisaram e votaram nesta terça as alterações propostas pelo governo, cuja coalizão tem um número de cadeiras suficientes para permitir que as mudanças avançassem. Foram 192 votos a favor contra 106. Agora, o presidente deverá assinar o texto dentro do prazo de 14 dias ou enviá-lo de volta ao Parlamento com novas alterações. O governo poderia também optar por outras medidas para tentar apaziguar a tensão, como adiar o projeto, mas esta possibilidade é dita como improvável.

Presidente promete firmeza contra “anarquia”

 Num discurso ao país, o presidente William Ruto condenou o “ataque sem precedentes à democracia” e comprometeu-se a reprimir firmemente “a violência e a anarquia”.

Ruto classificou os protestos como “acontecimentos traiçoeiros”, afirmando que foram “infiltrados e desviados por criminosos organizados”.

O presidente afirmou que os protestos desta terça-feira marcaram “um ponto de viragem crítico” na forma como o Governo responde “às graves ameaças à nossa segurança nacional”.
“Garanto à nação que o governo mobilizou todos os recursos à disposição do país para garantir que uma situação desta natureza não se repita, a qualquer custo”, anunciou.

Ruto reafirmou a intenção de “conversar” com os jovens que estiveram na origem dos protestos, frisando, contudo, que não tolerará qualquer “ameaça” que implique “um perigo existencial” para o Quénia.