Samora reconhecia as atrocidades que cometia na sua governação

O Primeiro Presidente de Moçambique, assassinado a 19 de Outubro de 1986, percebeu e muito bem que aqueles que os tinha como aliados histórico, também usavam a cooperação bilateral, tanto económica e social  como arma de chantagem. 

Allen e Barbara Isaacman, um casal  norte americano e amigo de Moçambique desde a Luta de Libertação Nacional, publicou recentemente em Maputo, um livro intitulado “Samora Machel: Uma vida interrompida”, obra literária crítica e isenta de censuras.

Por exemplo, os autores que não se fizeram presente no lançamento, não tiveram receios em afirmar que contrariamente ao seu discurso contra a incompetência e corrupção, o Presidente Samora permitia na sua governação, velhos camaradas ineficazes.

Segundo os autores, a sua tendência em classificar como obscurantistas as crenças religiosas africanas revelava a sua incompreensão sobre o significado que as mesmas tinham para muitas comunidades.

Também pode-se ler no livro que o seu desejo de alcançar uma justiça social económica era por vezes extemporâneo, e o resultado disso é que quando o projecto socialista da Frelimo perdeu credibilidade, o seu aparelho do Estado tornou-se cada vez mais fragilizado.

Mas a obra traz aspectos positivos de Samora Machel, um líder que defendeu a sua pátria, a região e o continente africano. “foi um líder que demostrava uma enorme capacidade de ouvir sobre os graves atropelos e abusos que os seus pares ao abrigo da sua governação faziam”, escreve o casal.

De acordo com o Allen e Barbr, Samora Machel tinha fortes convicções sobre a importância de construir sistemas de saúde e de educação fortes para desenvolver o país e da importância que dava a emancipação da mulher e da sua postura em promover a igualdade de direitos.

Os conceituados académicos descrevem nesta obra a capacidade do primeiro Presidente de Moçambique independente em reverter e aceitar que o modelo escolhido para o desenvolvimento do país não se adequava a conjuntura política nacional, regional e mundial.

Segundo os autores, Samora Machel percebeu e muito bem que aqueles que os tinha como aliados histórico também usavam a cooperação bilateral, tanto económica  quanto  social  como arma de chantagem.

O casal escreve que Samora teve a capacidade de compreender, que para salvaguardar a soberania de Moçambique e trazer a paz para o seu povo, estava obrigado a aceitar negociar com aqueles que ele sempre quis combater e eliminar.

A obra trás igualmente, novos factos sobre a vida de Samora Machel em Lourenço Marques, actual Cidade de Maputo, a forma como decorreu a sua inserção política militar na Frelimo e na Luta de Libertação Nacional. Sobre o papel que desempenhou durante a crise que se abateu no seio da Frelimo antes e depois do assassinato de Eduardo Mondlane, primeiro Presidente deste movimento.

Debruça-se também sobre o impacto que teve a sua nomeação como chefe do Departamento de Defesa e depois como Presidente da Frelimo, na reorganização e evolução da Luta Armada contra o exercito colonial Português ou ainda sobre a sua atitude em relação a sua família (pais, mulher e seus filhos).

O livro, contextualiza o ambiente geopolítico mundial e regional em que foi declarada a independência de Moçambique, sobre o comando do Presidente Samora Machel, no dia 25 de Junho de 1975.

 Desafios

O casal promete continuar a “cavar”  juntamente com outros académicos e investigadores sobre os assuntos aqui tratados e, em particular na pesquisa sobre o que de facto foram as relações entre a União Soviética e Moçambique, qual a influência que a União Soviética exerceu no relacionamento com países como a República Democrática Alemã com Moçambique e, como  é que relações entre Moçambique e Cuba escaparam a esta influência.

O casal termina o seu livro lançando alguns desafios à comunidade académica moçambicana, especificamente, aos departamentos de história das diferentes universidades, dentre os quais:

1 – O impacto que teve o papel desempenhado por Samora Machel na independência do Zimbabwe, relativamente ao conflito leste e oeste na Africa Austral;

2 – O impacto que teve a sua morte sobre os objectivos que até então guiados pela SADCC;

3 – O impacto que teve a sua morte no prolongar da guerra civil em Moçambique e na luta pelo fim do Apartheid.

4 – O impacto que teve a sua morte nas opções políticas tomadas pela Frelimo nos períodos de 1986-1994 e de 1994 até aos dias de hoje.