Afeganistão: mulheres negadas liberdade de movimento fora de casa sem acompanhante masculino

De acordo com a tradição do país, as famílias afegãs forçam as meninas a manter suas identidades em segredo desde crianças. Geralmente, elas são conhecidas apenas como mãe, filha ou irmã do homem mais velho da família. E marido,  irmãos e a sogra têm permissão para bater na mulher casada.


Segundo a HRW e o Instituto de Direitos Humanos da SJSU, desde que assumiram o controlo da cidade, em 12 de agosto de 2021, os talibãs em Herat estão a negar às mulheres a liberdade de movimento fora das suas casas, a impor códigos de vestuário obrigatórios, a restringir severamente o acesso ao emprego e à educação e a restringir o direito à reunião pacífica.
As mulheres de Herat disseram às duas organizações que as suas vidas foram completamente destruídas no dia em que os talibãs assumiram o controlo da cidade.
Estas mulheres trabalhavam fora de casa ou eram estudantes e desempenhavam funções ativas e frequentemente de liderança nas suas comunidades.
As mulheres disseram que estão a enfrentar problemas económicos devido à perda de rendimento e à incapacidade de trabalhar.
As mulheres em Herat foram das primeiras a organizarem protestos em defesa dos seus direitos depois de os talibãs assumirem o controlo de Cabul e de grande parte do país.
Poucos dias após a tomada de Herat pelos talibãs, um grupo de mulheres pediu para se reunir com os líderes locais dos talibãs para discutirem os seus direitos e, vários dias depois, puderam encontrar-se com um representante do grupo islâmico.
No entanto, o responsável talibã foi inflexível e disse às mulheres para pararem de insistir na questão dos seus direitos e que, se apoiassem o grupo no poder, seriam recompensadas com amnistia total pelas atividades anteriores e talvez até conseguissem cargos no novo Governo.
Após as manifestações em Herat, os talibãs proibiram protestos que não tinham aprovação prévia do Ministério da Justiça em Cabul, ordenando que os organizadores incluíssem informações sobre o propósito de quaisquer protestos e as frases a serem usadas em quaisquer solicitações ao ministério.
As mulheres entrevistadas pela HRW e pela SJSU expressaram preocupação especial com o facto de os talibãs imporem novamente a política de exigir que tenham como companhia um “mahram” , familiar masculino sempre que saiam de casa, como os talibãs fizeram quando estiveram no poder anteriormente, entre 1996 e 2001.
Essa exigência afastou as mulheres da vida pública, isolou-as da educação, do emprego e da vida social, e dificultou a obtenção de cuidados de saúde, tornando-as completamente dependentes de membros da família do sexo masculino e impedindo-as de escapar caso sofressem abusos em casa.

Zabiullah Mujahid, porta-voz dos talibãs, disse numa entrevista em Cabul em 07 de setembro que estar acompanhado por um “mahram” só seria necessário para viagens de mais de três dias, não para atividades diárias, como ir ao trabalho, escola, compras, consultas médicas e outras necessidades.
No entanto, as autoridades talibãs em Herat não têm sido consistentes na execução desta política.
A Human Rights Watch e o Instituto de Direitos Humanos SJSU conduziram entrevistas detalhadas por telefone a partir de Dari com sete mulheres em Herat, incluindo ativistas, educadoras e estudantes universitárias sobre as suas experiências desde que os talibãs assumiram o controlo da cidade. Todas as mulheres falaram sob condição de anonimato, temendo pela sua segurança.
Os talibãs voltaram ao poder em praticamente todo o Afeganistão em agosto, quando tomaram a capital, Cabul. 

Marido,  irmãos e a sogra têm permissão para bater na mulher casada

No Afeganistão, estima-se que 90% das mulheres sofram violência constante através de diferentes governos, tais como os mujahideen e os Talibã na parte final do século XX. As mulheres do Afeganistão tiveram muito pouca ou nenhuma liberdade.

O direito das mulheres começou a ser mais restrito após Gulbuddin Hekmatyar ser integrado ao governo como primeiro-ministro afegão, em 1996. Ele exigiu que as mulheres que aparecessem na televisão fossem demitidas.

Durante a guerra civil de quatro anos violentos, muitas mulheres foram sequestradas e violentadas sexualmente. No momento em que uma das facções tornou-se vitoriosa, esta nova força de liderança ficou conhecida como o Talibã.

Como seu líder espiritual, Mullah Omar, os administradores do Talibã foram aldeões pobres quase inteiramente educados em escolas wahabitas no país vizinho, Paquistão.

Imediatamente após a chegada ao poder, o Talibã declarou que as mulheres eram proibidas de trabalhar fora de suas casas e elas não estavam autorizadas a sair de suas residências sem estarem acompanhadas por um membro de sua família do sexo masculino além de, quando o fizessem, deveriam estar vestidas com burca. Sob estas restrições, as mulheres foram privadas de educação formal.

Algumas mulheres eram incapazes de deixar suas casas, porque elas não podiam pagar uma burca ou elas já não tinham quaisquer parentes do sexo masculino.

As mulheres eram geralmente forçadas a ficar em casa e pintar as janelas para que ninguém pudesse ver de dentro para fora. Durante o governo de cinco anos do Talibã (de 1996 a 2001), as mulheres no Afeganistão foram essencialmente postas em prisão domiciliar.

Algumas mulheres, que já tinham posições respeitáveis, foram forçadas a vaguear pelas ruas em suas burcas, venderem tudo o que possuíam ou mendigarem para sobreviver.

A Organização das Nações Unidas se recusara a reconhecer o governo Talibã. Os Estados Unidos impuseram sanções pesadas sobre o país, semelhantes às colocadas sobre a Coreia do Norte.

Vários comandantes do Talibã e da Al-Qaeda executaram uma rede de tráfico de seres humanos, raptando mulheres e vendendo-as para a prostituição forçada e escravidão no Afeganistão e no Paquistão.

Após a remoção do regime Talibã do Afeganistão, um novo governo foi formado. O governo de Hamid Karzai adotou políticas mais relaxadas em torno dos direitos das mulheres e, em Cabul, mulheres podiam ser vistas dirigindo carros e se engajando em outras atividades que haviam sido proibidas para elas durante o regime anterior.

Regresso nas conquistas

Em março de 2012, o presidente Hamid Karzai aprovou um “código de conduta”, que foi emitido pelo Conselho Ulema. Algumas das regras afirmam que as mulheres não devem viajar sem um guardião masculino e não devem se misturar com homens estranhos em locais como escolas, mercados e escritórios.

Karzai afirmou que as regras estavam em conformidade com a lei islâmica e que o código de conduta foi escrito em consulta com o grupo das mulheres afegãs.

Organizações de direitos humanos e ativistas dizem que, endossando este código de conduta, Karzai está a colocar em risco o progresso duramente conquistado no direito das mulheres desde que o Talibã caiu do poder, em 2001.

Em 2013, Sushmita Banerjee, uma escritora indiana expatriada no Afeganistão e também ativista, foi assassinada na província de Paktika por militantes do Talibã, por supostamente desafiar os ditames do Talibã.

As organizações de direitos humanos, incluindo a HumanRights Watch e a Comissão dos Estados Unidos sobre Liberdade Religiosa Internacional, expressaram preocupação com os direitos das mulheres no país.

Em 2013, as Nações Unidas publicaram estatísticas mostrando um aumento de 20% na violência contra as mulheres, muitas vezes devido à violência doméstica, que é justificada pela religião, e cultura conservadora de uma sociedade patriarcal.

O marido, os irmãos e a sogra têm permissão para bater na mulher casada. Muitos crimes contra as mulheres justificam-se com base na religião.

Muitos assassinatos são cometidos pela própria família da mulher, com a participação de pai e irmãos. A maioria por motivos absurdos, como a recusa em casar com um homem escolhido pela família.

No Afeganistão, o nome das mulheres não costuma aparecer nas certidões de nascimento, de casamento ou óbito. De acordo com a tradição do país, as famílias afegãs forçam as meninas a manter suas identidades em segredo desde crianças. Geralmente, elas são conhecidas apenas como mãe, filha ou irmã do homem mais velho da família.

Em 19 de Março de 2015, Farkhunda Malikzada, uma afegã de 27 anos, foi espancada até a morte, em Cabul, por uma multidão sob uma falsa acusação de queimar um Alcorão. O seu cadáver foi por fim queimado.

Hoje, estima-se que 90% das afegãs sofram violência constante. Além disso, entre 70% e 80% delas são forçadas a se casar com quem não escolheram. E três em cada quatro são completamente analfabetas.

Com o regresso dos Talibãs ao poder, teme-se que a situação dos direitos humanos das mulheres se complique cada vez mais.

Entretanto, em Agosto deste ano, a situação das mulheres no Afeganistão foi tema que dominou o encontro do G20 em Itália dedicado ao empoderamento e capacitação feminina.

Apesar de ausente do encontro, o primeiro-ministro italiano Mario Draghi apelou à manutenção dos direitos e liberdades fundamentais das mulheres afegãs, em particular o direito à educação.

“Não nos podemos iludir. As jovens e mulheres afegãs estão prestes a perderem liberdade e dignidade regressando ao estado deplorável de há duas décadas. O risco é tornarem-se cidadãs de segunda classe que enfrentam de novo violência e discriminação sistemática, tudo por causa do género a que pertencem”, disse o representante do governo italiano, StefanoPizzicannella.

Apesar da nova liderança talibã no Afeganistão querer projetar uma imagem de moderação, já começaram a surgir informações segundo as quais mulheres e jovens estariam a ser vítimas de violência assim como a ser forçadas a ficarem em casa. Fonte: Reuter/Zebra/Globo